domingo, 15 de janeiro de 2012

Impressões de um professor/pesquisador de História sobre a Educação brasileira. (Parte I)


Impressões de um professor/pesquisador de História sobre a Educação brasileira. (Parte I)


Wagner Geminiano dos Santos

Resumo: Este ensaio busca pensar aquilo que se convencionou chamar de educação brasileira a partir do estabelecimento de algumas questões que julgo estruturais e que constituem este campo do saber, no cruzamento com outras questões mais conjunturais e pontuais que permeiam e constituem a educação em nosso país. Todas estas questões são tomadas e pensadas aqui a partir das minhas experiências e impressões enquanto docente. É neste sentido que procurei preservar no texto um caráter puramente ensaístico e de experimentação e exercício de pensamento, sem maiores pretensões científicas. Portanto, ao longo de sua construção, dispensei o uso de citações e referências documentais ou bibliográficas. No entanto, isto não impediu que sua escrita estivesse atravessada por inúmeros pensamentos e autores que o leitor mais atento logo identificará. E, por isso mesmo ele não é fruto apenas de meu esforço intelectual individual, mas é resultado da relação com inúmeras vozes e discursos, aos quais busquei deixar no anonimato, na tentativa de construção de uma espécie de memorial daquilo que entendo como sendo a educação brasileira no cruzamento de minha formação como professor, historiador e cidadão.

Palavras-chave: Educação brasileira, universalização, professor, escola, discente.


Gostaria, neste texto, de pensar e discutir alguns dos aspectos que julgo problemáticos naquilo que se sensocomunizou chamar de “Educação brasileira”, em especial no seu nível básico, hoje chamado de Ensino Fundamental. Tentarei fazer isto percorrendo o seguinte caminho: primeiro, abordarei aqueles aspectos mais gerais e estruturantes que formam, a meu ver, a espinha dorsal desta área do saber e das instituições a ela correlatas; em seguida procurarei pensar algumas dimensões mais conjunturais, que dizem respeito ao momento em que estamos vivendo, às práticas políticas, econômicas, sociais e culturais e às políticas públicas para educação atreladas ao processo educacional do país; por fim, de forma mais particular, tentarei pensar este processo a partir do ensino de história e da minha experiência docente em alguns municípios do interior de Pernambuco. Farei este esforço na tentativa de construção de uma espécie de memorial daquilo que entendo como sendo a educação brasileira no cruzamento de minha formação como professor, historiador e cidadão.
Para iniciar esta discussão, quero problematizar um enunciado que reverbera e ressoa praticamente em todo o corpo social de nosso país e que parece contribuir substantivamente para a imagem profundamente negativa que os profissionais da educação têm no Brasil. É o enunciado que coloca o processo educativo como missão, como sacerdócio e o professor como aquele que fez os votos e abraçou a causa – jesuítica, por sinal -, antes de tudo por amor e compromisso de fé do que por qualquer outra coisa – muito menos dinheiro, na forma de bons salários, claro; pecado mortal da profissão. Neste sentido, ao longo dos anos, fomos alçados a condição de mártires, de redentores, de salvadores da pátria e construtores da nação – talvez por isso se explique o sucesso algumas utopias, ou melhor, de alguns discursos idealistas, que mais parecem literatura de autoajuda, vide o sucesso de Augusto Cury entre os educadores, ou as duas coisas ao mesmo tempo, e porque não salvacionistas ainda presentes em nosso meio e a fazer grande sucesso e estardalhaço vendendo livros e mais livros. Este campo do saber talvez seja o único onde este tipo de discurso ainda produz efeitos de verdade sobre os pares, confluindo para uma larga produção científica pautada por estes enunciados.
Este enunciado que diz que o verdadeiro professor, o educador, na acepção ampla da palavra, é aquele que exerce a profissão por amor, por devoção a uma causa, por compromisso a uma missão. Ou seja, o professor antes de ser um profissional, alguém que trabalha para ser reconhecido e valorizado por suas práticas profissionais e intelectuais, seria um altruísta nato, alguém que se doa completamente, de corpo e espírito, a sua missão, pois é nesta que a priori já se encontra o reconhecimento e o valor do que fazem; enfim, o reconhecimento e o valor não estariam no professor e nas suas práticas profissionais cotidianas, mas já estariam definidos a priori na missão que escolheram defender, a princípio, de corpo e alma. Mas alma, espírito e intelecto do que corpo, pois neste discurso o professor parece não ter corpo – portanto, não precisa comer, vestir, se divertir, descansar, neste sentido não necessita de bons salários, de férias, de descanso, podendo trabalhar diuturnamente em sua missão –, quando muito ele aparece apenas como ferramenta para a realização de sua missão; corpo assexuado, como o dos anjos, a proteger a humanidade em nós ou a tentar, cristamente, construir a humanidade em nós. Corpo macerados por uma árdua jornada de trabalho – três expedientes, muitas vezes –, mas sempre resignado, pois expiando e remindo não só os seus pecados, mas, sobretudo, os pecados do mundo da sociedade.
O trabalho do professor, assim como no discurso cristão da culpabilização do homem pela queda, serviria para expiar o pecado da ignorância que deixou o homem em queda, seria o meio para se conseguir alcançar a salvação da nação, do todo social elevando-a aos píncaros da civilização e do progresso social e humano. O Professor, este ser transcendental, um misto de Cristo e anjo de luz decaído dos tempos pós-modernos, assexuado, quase sem corpo, seria o redentor de nossa sociedade, de nosso tempo. Daí o discurso que diz que a educação é o único caminho e solução para a nossa sociedade, discurso este profundamente repetido e alardeado aos quatro ventos em nosso país pelos diferentes setores de nossa sociedade numa reedição pós-moderna da passagem bíblica “eu sou o caminho, a verdade e a vida”.
Deste enunciado decorre, a meu ver, outro problema gravíssimo de nosso processo educativo, qual seja: o discurso religioso e cristão que se encontra profundamente arraigado e constituindo ainda as bases das práticas educacionais da maioria de nossos professores e professoras – façamos aqui uma distinção de gênero, pois o professor além de ter corpo, ele é investido de um gênero que interfere consideravelmente nas suas práticas educativas e, sobretudo, na educação básica de nosso país, onde a maioria do quadro docente é composta por mulheres, mas trataremos disto mais adiante -, apesar de nosso Estado se dizer laico e propor também uma educação assentada nestas características e preceitos.
Discurso cristão este que norteia em grande medida as concepções salvacionistas que permeiam boa parte das obras que buscam discutir a educação em nosso país. Num Estado que se quer ou que se diz laico e que deveria, portanto, fazer da educação e do processo educativo um meio para realizar este fim, isto parece não acontecer. Pois, cada dia mais as práticas educativas de boa parte dos professores se encontram cristianizadas e prontas a cristianizar, a doutrinar, fazendo do processo educativo algo muito parecido com uma prática de catequização. Isto se explicita, principalmente, quando o docente quer impor certa verdade aos seus “discípulos” e estes o contestam, reagem contra sua assertiva. Diante de tal recusa, a reação da maioria dos docentes caminha, quase sempre, para a pregação culpabilizadora, para o discurso religioso moralizante utilizado como arma educativa e disciplinadora diante do antigo discípulo transformado em herege.
Mas, me tranqüilizaria muito se o efeito deste discurso fosse apenas este – talvez o mais banal deles. No entanto, as coisas tendem a ser muito piores, descambando, na maioria das vezes, para o preconceito, para posturas, conservadoras e facistas de negação do outro. Ao longo da minha carreira docente – que ainda não é longa, diga-se de passagem – já presenciei cenas estarrecedoras, sendo legitimadas e justificadas por este discurso educativo-religioso.
Desde gestores que, para repreenderem seus alunos, diante de supostas atitudes incorretas dos mesmos, se utilizam e tomam o discurso moralista religioso como pedra abalizadora das atitudes dos discentes sejam elas quais forem e que sentido for, proferindo impropérios do tipo: “suas atitudes não fazem parte da criação divina, não faz parte das coisas de Deus, Ele condena tudo isso”, “Deus não criou seu filhos para a prostituição, para a marginalidade, para a homossexualidade, portanto, sejam bons alunos, respeitem o professor para ser alguém na vida, porque Deus condena que quer cair na marginalidade, e ele é nosso Pai salvador”.
Até professores que por puro despreparo e desconhecimento diante de temas candentes de nosso tempo como as drogas, as práticas homossexuais, homoeróticas, homo afetivas, a prostituição e outros mais se ancoram na muleta do moralismo religioso para se esquivarem do debate e se eximirem de tratar de tais assuntos. E quando o fazem, o fazem a partir do ângulo religioso, moralista e cristão, disseminado o preconceito e ódio ao diferente, ao outro. Neste sentido, já presenciei vários colegas professores argumentando que não tratam destes temas com seus alunos porque o consideram não natural, em especial em relação ao homossexualismo, pois o consideram não fazendo parte da criação divina. Já escutei de colegas até que por o considerarem não natural acreditavam que o homossexualismo seria uma doença e que deveria ser encarado como tal, com o objetivo de sanar a epidemia que assola a nossa sociedade nesses dias de pós-modernidade, ou seja, alguns de meus colegas, mesmo no papel de educadores, continuam vendo alguns temas e tratando-os como se estivessem fora da norma, fora da curva; enfim, como uma anormalidade dentro dos desígnios da criação. Pautam-se assim embasados não só por um discurso moralista religioso, mas também retomam um discurso médico já contestado e posto em cheque desde a década de 60 do século passado pela própria ciência médica.
No entanto, este discurso religioso-cristão que se imiscuiu e se insinua nas práticas educativas de boa parte dos docentes em nosso país (re)produz uma série de outros preconceitos e práticas conservadoras dentro de sala de aula, sobretudo em relação a outras religiões e culturas e contra quem as pratica, assim como contra quem não é praticante de nenhuma religião ou que não professe nenhuma fé. Neste sentido, assistimos quase que cotidianamente a justificação e a legitimação das práticas religiosas cristãs e seus dogmas – católicos ou protestantes – como verdadeiros, superiores, em especial em relação às religiões de origem afro.
Isto se torna mais enfático ainda em escolas que têm a disciplina de Religião sendo lecionada. Ao lecionarem esta disciplina a maioria dos professores ensinam muito mais os dogmas e práticas cristãs – católicas e/ou protestante –, fazendo proselitismo religioso – o que é vedado pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) – do que estabelecer uma discussão substancial e profunda sobre a própria idéia de religião, as múltiplas possibilidades de expressão da fé e do crível, a diversidade de possibilidades de abordagens e de visões de mundo propiciadas pelas diversas religiões. Neste sentido, esta disciplina é ensinada de forma a justificar e legitimar uma única religião possível e verdadeira, o Cristianismo, católico ou protestante, tendo em vista que nem os fundamentos teológicos e filosóficos básicos desta religião são discutidos, mas apenas apresentados como verdades absolutas e eternas. A disciplina de religião, onde ela é praticada, não serve para ensinar, mas para doutrinar os alunos nas práticas cristãs, com a escola se colocando desta maneira como uma extensão da Igreja, católica ou protestante, e as aulas aparecendo mais como uma extensão das aulas de catecismo ou das escolas dominicais. Fora disso só existiria erro, heresia, demonização.
Assim, a maioria de nossas escolas e seus docentes fica restrita a visão cristã de religião e ao Cristianismo como única religião praticável dentro daquilo que é aceito como normal, verdadeiro e absoluto. Propagandeada pela maioria dos professores como a única visão e crença possível, afirmando-se sobre as outras religiões a partir da demonização e negação das mesmas, de sua adjetivação como algo demoníaco, inferior, baixo, marginal. Não só estas outras religiões, mas também os seus praticantes e práticas seriam de outra esfera, a esfera do negativo, do mal, do desvio que atingiria aquele não só em espírito, mas no seu caráter, na sua moral, no seu ser. Reproduz-se assim uma cultura de intolerância e preconceito que se acentua ainda mais quando o que está em questão são as religiões e culturas de origem afro – apesar da Lei nº 10.639 que institui o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio com o objetivo de quebrar com estes preconceitos –, por motivos óbvios, aos quais a maiorias de nossas escolas e docentes fazem vista grossa e ouvidos surdos, pouco contribuindo para se romper com o preconceito por contra estas religiões e seus praticantes, reproduzindo-o ao invés de questioná-lo em suas raízes. Quando muito as nossas escolas fazem uma leitura destas religiões e de suas culturas e praticantes que beira o pitoresco, o folclórico, o estandardizado tratando-os como o exótico, o estranho, o fora da norma; o que só contribui para alimentar o preconceito e a exclusão.
Esta imagética que se criou em nosso país sobre os docentes e suas práticas parece ser ainda resquício da própria história da educação no país e de como ela foi praticada e exercida ao longo dos séculos. Entregue desde o início da colonização a Igreja e mais especificamente aos Jesuítas, nosso processo de educação das “massas” esteve, desta forma, quase sempre ligado aos ideais missionários e sacerdotais, de desprendimento das coisas do mundo, ligado ao ideal catequético-civilizador cristão que se impunha a partir do princípio da negação do outro e de suas práticas culturais – o índio, o africano e suas religiões e culturas. Mesmo depois das reformas pombalinas no século XVIII e as tentativas de expulsão dos jesuítas da América Portuguesa e a ascensão do Estado como garantidor de uma educação laica, o nosso processo educacional nunca se encontrou de um todo dissociado das práticas cristãs, pelo contrário, varou os séculos atravessado pelas mesmas, constituindo a educação brasileira claramente numa experiência fundada e pautada por práticas cristãs ortodoxas e conservadoras.
Tendências educacionais como a Escola Nova ao tentar se estabelecerem em nosso país tiveram de fazer este enfrentamento, ainda no início do século XX, às práticas educacionais de cunho cristão, não só no ensino, mas também na própria estrutura e concepção de educação no país. Enfrentamento este que ainda não conseguiu por fim a estas práticas, mas que vem convivendo com elas até nossos dias, mesmo depois do processo de redemocratização do país e a laicização do Estado brasileiro sob um viés constitucional e cidadão, outorgado pela Constituição de 1988. Mesmo assim, aquelas práticas continuam profundamente arraigadas no cotidiano escolar e atreladas às práticas docentes de boa parte de nossos professores, se constituindo, assim, como um sério problema de nosso sistema educacional que precisa ser enfrentado urgentemente, mas que infelizmente pouco se fala e quase ninguém se pronuncia ou se posiciona a respeito.
Um segundo aspecto do processo educacional brasileiro que precisa ser urgentemente considerado e pensado e que também pouco se faz ou se fala a respeito, é o processo de universalização do ensino no país, como ele foi iniciado, em que moldes e como ele vem sendo levado a efeito. Processo este iniciado do dia para a noite e sem considerar o contexto histórico, social, cultural, político e econômico de nosso país e que, por estes e outros motivos – que passarei a elencar de agora por diante – se constitui num dos maiores entraves para construir uma educação de qualidade no Brasil.
O nosso processo de universalização do ensino – fundamental e médio – é bastante tardio e ainda não se realizou por completo, principalmente em relação àquilo que se chama de ensino médio. No entanto, ele começou a ser levado a efeito nos últimos anos do período da Ditadura Militar e buscou consolidar-se a partir do processo de redemocratização do país já na década de 90 do século passado. Contudo, isto foi feito a toque de caixa, tentando romper com o atraso e com um processo secular de exclusão que caracterizavam nossa educação. Processo este feito quase sempre a partir de modelos importados dos EUA e da Europa e que foram transplantados para a nossa realidade sem ao menos se considerar nossas particularidades históricas, sociais, culturais, políticas e econômicas.
Desconsiderou-se completamente, por exemplo, o fato de que vinhamos de um processo educacional excludente, fundado numa educação de cunho religioso, cristão e autoritário e que se fazia direcionada quando muito às classes médias e as elites do país. O nosso processo civilizador, para utilizar uma expressão clara a Norbet Elias, quando muito atingia as nossas classes médias, civilizadas ainda muito mais dentro de ideias conservadores cristãos e católicos do que propriamente nos moldes laicos, burgueses e capitalistas que dispõe a ideia de meritocracia, competitividade e individualismo como pedras balizadoras e princípios básicos de uma educação laica.
Neste sentido, até a década de 70 e 80 do século passado, a educação, fosse ela pública ou privada, se constituía no direito de uma minoria. Onde, diante disso e apesar da parca estrutura, a superlotação das salas de aula não se constituía em um problema grave da educação do país, naquele período. Assim como o que chamamos hoje de indisciplina não se apresentava como percalço para docentes e gestores. Pois, a educação se fazia para uma parcela da sociedade que a via e percebia como um dos meios para manter, senão superdimensionar e consolidar, sua posição dentro desta sociedade. A educação era significada como elemento definidor e legitimador do status quo, sobretudo ao longo do período da Ditadura Militar. E em grande medida era assim que ela era vista e significada por aqueles que frequentavam os bancos escolares. Pois, uma educação pensada para reproduzir o modus vivendi e o habitus elitista e classe média em nosso país. Assim, o processo educacional brasileiro se conformava e se constituía correlato ao processo disciplinar e civilizador desta parcela de nossa sociedade e aos seus anseios políticos, sociais, econômicos e culturais.
Mas, este cenário se altera profundamente com o processo de universalização do ensino iniciado entre finais da década de 1970 e a década de 1980. A medida que praticamente do dia para a noite são jogados dentro das poucas escolas públicas construídas no país milhares e milhares de crianças e jovens, sem que ante tenha havido qualquer preparação por parte das entidades federativas (União, estados e municípios) para acolher tal demanda e a diversidade que ela ensejava em uma infraestrutura já deficitária. Era necessário ter havido a construção de novas escolas – mas não só isso –, a distribuição de livros e materiais didáticos, a contratação imediata de novos professores, assim como a capacitação dos mesmos e a qualificação dos que já faziam parte do quadro para atender este novo e variado público. Nada disso foi feito ou considerado a tempo. Contudo, a cada ano a demanda só fazia crescer e se multiplicar.
Decorrente disto, não houve um investimento imediato por parte do Estado na formação dos professores para que eles fossem “adaptados” a nova realidade das salas de aula criada por esta demanda crescente que bate a todo dia a porta das escolas em todo o país. Pessoas de classes sociais distintas daquelas a que as escolas públicas estavam acostumadas a atender, mas que se vê obrigada a fazer a inclusão, juntando-os, misturando-os com os antigos alunos classe média e das elites locais, fomentando na inclusão uma exclusão social cada vez mais gritante, exacerbando as distinções e diferenças sociais entre o filho do pobre e o estudante riquinho de classe média ou filho do mandatário ou do grande comerciante local. Incluir para excluir, para marcar a diferença – e isto se explicita em comportamentos que vão se tornando quase que naturais, como a preferência dos professores pelos filhos geralmente branquinhos, limpinhos, “educados” das famílias de classe média ou das elites em detrimento do olhar torto, reprovador diante do mestiço, do negrinho filho do pobre, geralmente empregado daquelas famílias que agora tinham de conviver no mesmo espaço e que ao menos legal e teoricamente tinham de ser acolhidos e tratados com isonomia.
É sob este signo que se inicia o processo de universalização do ensino no Brasil. Milhares de pessoas, passos, pernas e corpos diferentes, diversos, divergentes se dirigindo, dia após dia em maior número, às escolas. Fruto de realidades diversas, variadas, marginais com as quais a maioria dos professores e a própria escola não estava habituada ou acostumada a lidar. Como esta escola se torna um ambiente difícil, excludente para grande parte deste novo público também pouco acostumado com ela, com suas regras, com seu modus operandi, e isto se traduziu por muito tempo nos elevados índices de evasão, de desistência deste público em continuar num espaço em que eles pouco tinham espaço, a não ser como corpos deslocados.
Corpos estes constituídos em um modus vivendi diferente e diametralmente oposto àquele que a maioria dos professores estava acostumada a lidar. Corpos rebeldes, não educados, não civilizados no modo de vida burguês, capitalista ou até mesmo cristão-conservador, vindos de um caldo cultural ante e anti capitalista, como costuma dizer o antropólogo José Carlos Rodrigues. Corpos com os quais a maioria dos professores não sabe como trabalhar, não sabem o que fazer ou como proceder. Professores que até então eram pensados assexuadamente – as “tias”, estes seres assexuados, que nem famílias conseguiram constituir, a não ser àquela que abraçaram na sua missão, imagem esta a muito cristalizada sobre as professoras, tendo em vista que esta era até bem pouco tempo atrás uma profissão eminentemente feminina, em especial nas séries iniciais e no que hoje se chama de ensino fundamental – como pessoas compostas apenas de intelecto, se vêm diante de uma multiplicidade de corpos com a sexualidade a flor da pele, que se expressam pela violência dos gestos e das palavras. Fruto de uma visão de mundo, de uma cultura e de relações sociais forjadas na base da violência, da sexualidade aflorada e explicitada cotidianamente sem grandes pudores.
Afinal, os corpos que todos os dias adentram as salas de aula de nosso país, em especial das escolas públicas, forma talhados e trabalhados num espaço social onde a distinção do público e do privado ainda não se fizeram sentir como nos espaços de classe média e de elite. Espaços domésticos que condensam, muitas vezes, no mesmo ambiente o quarto, a sala, a cozinha, o banheiro, expressando desta forma uma medievalidade dos costumes ainda bastante presente nos dias atuais. Os alunos que batem a porta de nossas escolas estão, quase todos eles, acostumados a ver e a presenciar a violência entre os pais ou entre os parceiros de seus pais ou mães. Acostumados desde cedo a verem as práticas sexuais de seus pais ou responsáveis de forma explicita, escancarada, dada a falta de privacidade na maioria das moradias em que os mesmos habitam. Quando não com os pais, com os animais de estimação ou de criação, cães, gatos, porcos, caprinos, equinos, bovinos, asininos, com que muitas vezes se iniciam sexualmente, em especial os homens.
Conhecedores desde cedo das mazelas da violência física e psicológica, do encontro precoce com o sexo, com as drogas, com a violência doméstica. Marcados perla necessidade e pela busca diária por sobrevivência num mundo onde palavras como educação, meritocracia, civilização pouco parecem fazer sentido aos seus ouvidos. São geralmente estes corpos assim talhados que começamos a ter dentro de nossas escolas a partir do início do processo de universalização do ensino no país.
E como a maioria dos professores, senão todos, estava – e ainda estão – despreparados para “educa-los”, “civiliza-los” –  dificuldade esta que atribuo à rebeldia, à resistência a um dado modelo civilizador, a um dado habitus que querem lhe impor numa estratégia aculturante – tomam esta rebeldia, esta revolta como indício de uma indisciplina profunda e incorrigível, ou melhor, de uma falta de disciplina, de educação. E por isto passam a ser vistos quase como não humanos, tratados quase como animais, como bestas humanas destituídas de sua alma, de sua essência, daquilo que os tornariam humanos. Enfim, a escola e boa parte dos professores parecem querer negar e lhes extirpar àquilo que é mais humano naqueles corpos, como diria Nietzsche, o que lhes é humano, demasiado humano: a violência, o sexo, o desejo, a revolta, a resistência. Com esta postura, escola e professores, buscam, antes de tudo, se afirmarem como melhores, como superiores, pois supostamente pautados por valores civilizatórios, portanto ocupando outro estágio de, mais avançado, mais evoluído, no processo civilizador. Dai poderem justificar a sua boa consciência. A boa consciência daqueles que tentaram humanizar e civilizar aqueles que se recusam a sê-lo.
Diante de uma consciência tranquila, embalada pelo argumento de quem tudo fez e faz, diante de todas as dificuldades possíveis, para educar as “massas” incultas, tanto a Escola quanto a maioria dos profissionais a ela ligado pouco para ou nunca param para pensar e problematizar que o mundo que eles oferecem a este público é um mundo insignificante e sem sentido, destituído de qualquer capacidade mobilizadora para uma maioria que só conhece como realidade imediata a violência, a privação, os prazeres do sexo, o delírio oblíquo das drogas, a libertinagem de uma vida sem fronteiras, sem limites e sem um conjunto de regras muito claras, a não serem aquelas determinadas pela necessidade da sobrevivência diária, cotidiana. Justamente porque são vidas que vivem nas fronteiras, no limite da vida e da morte, da sobrevivência, da privação, da marginalidade, da exclusão. Daí sua rebeldia, sua revolta, sua “indisciplina”.
Indisciplina. É por este ângulo que a Escola e boa parte dos docentes, senão todos, enxerga e nomeiam o comportamento deste novo público que acorre todos os dias à sua porta. Pois, tomam o seu mundo, os seus critérios como abalizadores do outro. Neste sentido, a Escola os enxergam e os nomeiam pelo negativo, pela falta, como corpos e pessoas que precisam ser educados, disciplinados, civilizados, pois, supostamente, estas características lhes faltam. São pessoas mal educadas, indisciplinadas, rudes, ignorantes, torpes, fora da norma. Talvez, por isto, muitos professores, em especial àqueles a mais tempo na profissão e alguns novatos também, sejam saudosos dos métodos tradicionais de ensino, ou melhor, dos castigos e da palmatória como meio de educar e disciplinar o outro.
Não enxergam que se possível fosse retornar àqueles métodos, eles não funcionariam, não surtiriam os mesmos efeitos de poder e de verdade de outrora, pois o público e os corpos a que eles se destinariam são outros. Como dito anteriormente, temos agora em nossas escolas uma maioria de corpos talhados na e pela violência física e simbólica do dia-a-dia, e que, por isso mesmo, são rebeldes, resistentes ao castigo, ao disciplinamento, a punição. São corpos encarapaçados pelo tempo, pela constância da violência de onde nasceram e estão a crescer e a se constituir enquanto humanos. São, portanto, corpos bastante diferentes dos corpos classe média com os quais a maioria das escolas privadas de nosso tempo costumam trabalhar e que já fora num passado não muito distante o principal e majoritário público das escolas públicas.
Estes corpos classe média, são corpos com outros habitus, vindos de um mundo e constituídos por uma visão do mesmo, totalmente distinta dos deste novo público de massas. Talhados geralmente por uma forte moralidade religiosa cristã desde a infância; crescendo já marcados pelo signo do afastamento entre os corpos, contornados por reservas morais, físicas e psicológicas tanto em relação ao sexo quanto em relação à violência. Corpos para os quais o castigo e a punição funcionam como humilhação, como signo do fracasso em não conseguir governar os “excessos” do próprio corpo, enfim, como mecanismo disciplinador e contingencioso de práticas tidas como anormais utilizadas pelos pares quando o próprio indivíduo não consegue, por sí só, se governar. Significações estas que não ressoam sobre e entre este novo grupo, acostumado no seu cotidiano a lidar de forma bastante naturalizada com os castigos e as punições, que antes de serem vistos como tais, como práticas humilhantes, corretivas, disciplinares aparecem muito mais como práticas normais, naturais, parte integrante de suas vidas e realidades cotidianas.
Basta observar como estes corpos se comunicam, como tratam uns aos outros. Com tapas, socos, chutes, ponta pés, empurrões etc. E quando repreendidos por algum professor desavisado, saem com a máxima: “é só brincadeira, professor”; para perplexidade da maioria dos docentes. O paradoxo está justamente no fato de que os docentes, ou a maioria deles, ainda não se deu conta que a violência é uma linguagem, sobretudo, uma linguagem que está inscrita e inscreve a subjetividade destes e para estes corpos, ou melhor, a violência é a sua linguagem, a mais significante, a mais explicita e utilizada para sua expressão. Pois, foi nesta linguagem que eles foram talhados e educados e é por meio dela que se expressam de forma mais emblemática: nos gestos, nas relações e até mesmo nas palavras que usam para significa-la, todas elas carregadas de violência, de erotismo, de pulsões desejantes.
E diante desta linguagem a Escola enquanto instituição encontra-se totalmente perdida, desorientada e sem rumo. Isto porque o modelo que temos de escola ainda é aquele pensado pela modernidade e voltado para atender as necessidades e demandas daquilo que Michel Foucault chamou de sociedade disciplinar. Uma escola que ainda tem como modelo o exército e a prisão, na sua posição arquitetônica, e a fábrica e o hospital, no seu modelo gerencial. Este modelo já não atende mais as demandas de nosso tempo, de uma sociedade pós-disciplinar, pós-industrial, pós-moderna para muitos.
Temos ainda uma escola pensada arquitetonicamente como prisão, com portões, grades, cadeados, composta de salas quadriculares dando, geralmente, ou para um corredor ou para um grande salão central de onde se pode, por seus corredores, passar em revista todas as salas, de onde todas elas podem ser observadas ao mesmo tempo. Uma escola ainda pensada como fábrica, com horários a serem rigidamente cumpridos, regularmente observados ao longo de um árduo ano de trabalho – a educação dos bancos escolares é apresentada com a mesma obrigatoriedade do trabalho – com feriados, folgas, recessos e férias predeterminados por gestores, que mais parecem patrões – dada a cobrança por resultados, metas, objetivos, etc. –, com toques de sirene que determinam o horário de entrar e sair, de recrear, de ter o intervalo antes da volta do trabalho – afinal, o estudante também é visto como um laborador intelectual em desenvolvimento.
Uma escola que tem de seguir todo um planejamento gerencial, imposto de cima para baixo, segundo uma hierarquia previamente definida. Uma escola que é regida como hospital a partir da prática da catalogação daqueles que fazem parte do seu corpo, da sua separação, da sua seriação e segmentação pelo mecanismo da ficha, das anotações, pelo exame contínuo e regular das atividades docentes. Uma escola ainda pensada como caserna, como exército, com seus alunos rigidamente sentados, enfileirados lado a lado, do menor para o maior, por horas a fio, diante da lousa e do mestre.
É este tipo de funcionamento de nossas escolas que encontra uma resistência tamanha nos nossos dias. Este é cada vez mais um modelo falido, que a cada dia só faz comprovar sua falência diante da resistência e inquietude dos corpos que se negam a serem disciplinados e esquadrinhados dentro dos muros desta prisão-escola que mais parece um Frankenstein paralítico, postado diante de nosso tempo e das práticas sociais, culturais e políticas dele constitutivos, murmurando palavras sem sentido.
São escolas inadequadas do ponto de vista de sua estrutura física, que não oferecem salas de aula suficientes e adequadas para atender a demanda deste novo público e para estes corpos outros. Escola que assim como os nossos presídios encontram-se abarrotadas, superlotadas aumentando ainda mais o processo de produção da “delinquência”, da “indisciplina” ou aquelas práticas que só conseguimos nomear com estes termos, por até mesmo no campo da linguagem ainda estarmos limitados por uma conceituação e um vocabulário educacional, sobretudo no cotidiano escolar, que há muito não consegue mais ver e dizer o nosso tempo. Um léxico de milhares de expressões, reproduzido e multiplicado aos quatro ventos, mas que nada diz sobre nossa condição, que não a significa mais, que parece expressar tão somente o silêncio e a impotência de nossas palavras e a surdez de nossos ouvidos diante de falas, práticas e ruídos que ecoam de dentro das salas de aula e que a Escola ainda fundada em linguagem moribunda não consegue sequer escutar, quanto mais compreender e dialogar com ela. Tem sobre este público e seu murmúrio apenas uma linguagem e um discurso insignificante que a cada dia que passa vai ficando mais mudo, oblíquo, afônico.
Temos ainda uma instituição escolar fundada em práticas e procedimentos disciplinares que só constituem e enquadram aquilo que está na norma ou que é visto enquanto tal. Uma Escola, em sua maior parte, incapaz de lidar com o diferente e a diferença que a todo dia bate sua porta. Incapaz de compreender a diversidade imanente ao seu público, muitas vezes pensado por ela como homogêneo. Escola que, depois de iniciado o processo de universalização do ensino, se quer inclusiva, mas que cada vez mais opera por exclusão. Como diz Alfredo Veiga-Neto, é uma escola que inclui para excluir, que inclui para marcar claramente os lugares do normal e do anormal, do educado e do não educado, do incluído por ser igual e do excluído por sua irredutível diferença. Uma escola que ainda trabalha para reduzir homogeneizar comportamentos, para educar mentes e corpos dentro de um modelo civilizador pensado como único e verdadeiro, no qual a diferença só encontra sentido como exceção e confirmação a regra civilizatória e disciplinar. Como elemento justificador e legitimador deste processo educacional visto e imposto como necessário para a constituição da ordem, do progresso, do desenvolvimento do indivíduo em particular e da sociedade no geral. Indivíduo quase sempre pensado como peça do social, que deve ter as arestas de suas diferenças aparadas para se encaixar harmoniosamente no todo do corpo social.
Uma escola totalmente despreparada para os conflitos e tensões que são inerentes ao corpo social. Que não enxerga outra saída para ele que não seja a punição, a interdição. Isto porque se encontra cada vez mais isolada do corpo social. Isolamento político, social, cultural. Sua voz, seu discurso não reverberam mais na sociedade, não produz mais os efeitos de verdade que a modernidade requeria da mesma. Isto parece ocorrer em grande medida porque modernamente a Escola ainda se pensa como lugar privilegiado de reprodução e circulação do saber em nossa sociedade. Desconhecendo ou tornando-se indiferentes aos inúmeros outros lugares de produção e circulação do sabe em nosso tempo. Como, por exemplo, os conglomerados midiáticos e as diferentes mídias operadas por eles (TV, jornais, jogos eletrônicos e, sobretudo, a internet), a publicidade, o marketing, as religiões e as igrejas, os círculos de amizade, a comunidade, a rua etc. Lugares nos quais o saber é não só aprendido, reproduzido, mas, sobretudo, construído, praticado, experimentado diferentemente do que ocorre na maioria das escolas de nosso país, onde o saber é muito mais reproduzido do que socialmente construído em meio às demandas culturais, políticas e econômicas do lugar onde a mesma está inserida e onde seu público habita, mora, vive.
Uma escola que desconhece quase que por completo a comunidade em que está inserida e que quando a conhece pouco faz para entrar em contato com ela. Se resguardando muitas vezes no pseudo argumento e na falácia de que a mesma está e sempre esteve de portas abertas para a comunidade e que esta é quem não procura àquela. Quando muito a Escola entra em contato com a comunidade nos encontros de pais e mestres e nos plantões pedagógicos, que funcionam muito mais como instrumentos de desencargo de consciência da própria Escola, para ela poder dizer tranquilamente “fiz minha parte”, do que como uma prática afetiva para estabelecer um contato mais profícuo e duradouro com a comunidade.
Encontros estes, quase todos eles, esvaziados pelos pais e pelos próprios alunos que observam nestes momentos apenas eventos nos quais os professores e a equipe gestora encontram para mais uma vez reprovar o comportamento dos seus filhos e, por consequência, a sua atuação enquanto pais – pais e mães que o são a partir de outros modelos, de outros modus vivendi – ou responsáveis por aqueles. Momentos em que a Escola faz a sua sessão de terapia e desencargo de consciência procurando afirmar para si mesma que está a fazer alguma coisa, que está cumprindo com o seu papel na tentativa de educar os filhos dos outros de e para a nossa sociedade.
A Escola enquanto instituição precisa não só estar com as portas abertas à espera da comunidade, mas precisa antes de tudo começar a se relacionar com ela, se inserir em seu meio para conhecer as suas demandas, os seus anseios, as suas necessidades. Para entender a sua linguagem, que parece desconhecer por completo. A Escola precisa parar de fazer de conta e reconhecer sua atual impotência e inoperância diante da comunidade em partícula e da sociedade no geral. É preciso que ela saia de dentro de seus muros e vá conhecer a sociedade e a comunidade em que está inserida. Mas que vá desarmada, sem se o direito daquele que detêm o conhecimento autorizado e, portanto, que se insinua como superior diante do mundo e das coisas, diante do outro. A escola tem de perceber e, sobretudo, admitir que não conhece a comunidade e que urge conhece-la para saber de sua demandas, de sua necessidades, para a partir daí traçar estratégias para uma relação mais próxima, menos impositiva e mais democrática e multifacetada. Além do mais, a Escola precisa se fazer reconhecer, construir para si novos significados, o que não pode mais fazer sozinha ou apenas a partir de instancias superiores; mas, sim em relação com a sociedade na qual se insere. A Escola precisa ser investida de novos significados e sentidos construídos em conjunto e partilhados por ela e pela comunidade em particular e pela sociedade em geral.
Mais do que nunca parece necessário construir uma Escola significante socialmente. Porque a que temos hoje está vazia de sentido e não cumpre com o processo de universalização a que se destina e muito menos com o projeto de educação a que se arvorou desde o início da modernidade. E para tanto é preciso que a Escola entenda de uma vez por todas que ela não é mais o locus privilegiado da sensocomunização do saber em nossa sociedade. A nossa sociedade, hoje, independe da Escola para conhecer. E isto explicita claramente o esvaziamento de sentido do referencial significante sobre o qual ela esteve pautada. Se a sociedade não precisa mais da escola para conhecer, esta perde totalmente o seu sentido e a função social construída para ela ao longo da modernidade. Ainda por cima, o conhecimento que ela oferece parte em grande medida de um ideal meritocrático que só faz plenamente sentido dentro do mundo pequeno burguês das classes médias urbanas. Ou seja, até mesmo este último bastião de significado ao qual a Escola ainda busca se apegar não ressoa mais entre o principal público que ela atende atualmente – em especial a escola pública – que são as classes populares, os estratos mais humildes de nossa sociedade. No entanto, mesmo diante deste quadro, ela procura se manter enquanto instituição à medida que se pauta na legitimidade de fazer circular um saber institucionalizado e autorizado, por mais que necessário e indispensável ao mundo pequeno burguês de nossas classes médias.
Para a maioria do atual público que frequenta os bancos escolares, em especial de nossas escolas públicas, tal saber oficial, meritocrático parece não constituir sentido prático ou teórico para às suas vidas, para o seu cotidiano. Este público ainda frequenta os bancos escolares muito mais por questões outras. Na maioria de nossas escolas públicas de nosso país isto parece acontecer muito mais por conta que a Escola passou a representar a sobrevivência, literalmente falando, para boa parcela deste público, carente das mínimas condições básicas de sobrevivência no seu dia-a-dia, sejam aqueles que frequentam diretamente à escola, os alunos, seja aqueles que são seus responsáveis, os pais e familiares, para quem a escola parece representar minimamente a segurança alimentar se seus filhos, pelo menos no turno em que eles estudam.
Ou seja, boa parte deste público frequenta as escolas de nosso país, primeiro porque o Bolsa Família – um dos principais programas assistenciais e de distribuição de renda do Governo Federal – está, a princípio, atrelado a frequência dos alunos à escola. Portanto, a ida dos filhos à escola implica diretamente no recebimento deste benefício, por mais que o controle de tal frequência não seja tão rígido quanto deveria ser, mas ao menos garante a permanência de boa parte dos alunos nas escolas, assim como a necessidade regular de suas matrículas ano a ano, sob pena do benefício ser suspenso. Como boa parte das famílias humildes do país tem no Bolsa Família um fundamental complemento de sua renda mensal, senão toda ela em alguns casos, a ida para a escola de filhos, netos, sobrinhos etc. torna-se quase que obrigatória, pois implica diretamente na sobrevivência diária dessas famílias.
Além disto, outros programas federais como o PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – foram atrelados e condicionados a permanência e frequentação deste público de crianças e adolescentes à escola, em especial a partir da segunda metade da década de 1990. Se formos fazer um estudo comparativo do período anterior a estes projeto com o período que sucede sua implantação, veremos como os índices de evasão e desistência vêm caindo gradativamente, ano após ano. Mas, menos por conta de um crescente entendimento da importância por e para estas pessoas a quem tais programas se destinas, mas mais pelas obrigações que eles implicam e a necessidade que geram. Pois, ao que me parece, antes deles a maioria dos pais e responsáveis preferiam deixar seus filhos e tutelados em casa, ajudando nas atividades laborativas de sua sobrevivência cotidiana, do que manda-los para a escola.
Segundo, a frequência e a frequentação dos mesmos se dão também por conta da própria merenda oferecida nas escolas, que em grande medida se apresenta como um complemento das parcas refeições diárias que estas pessoas têm acesso. Mais uma vez, uma questão de sobrevivência, de pragmatismo. Terceiro, atrelado a estes dois motivos anteriores, parece se encontrar o fato de que a maioria dos pais e responsáveis enxergam na escola uma possibilidade e um lugar onde seus filhos irão encontrar aquilo que eles não conseguem fornecer e encontrar em casa: comida, alimentação, enfim, uma relativa segurança em meio ao “caos” em que vivem. Quarto, o interesse primeiro da maioria dos alunos em frequentar a escola parece estar no fato de que neste espaço encontram um ambiente propício para o divertimento, para a construção de pertencimentos que eles próprios constituem as expensas das regras de convivência estabelecidas pela instituição. Neste sentido, a escola é vista muito mais como um lugar aonde se vai para encontrar os amigos, os colegas: para brincar, se descontrair, se divertir sem ser interrompido pela necessidade do trabalho cotidiano junto aos pais para o sustento da casa e da família. A escola se torna um espaço privilegiado também para o aprendizado do namoro, da azaração, da iniciação sexual, para por em prática aquilo que lhe é explicitado naturalmente no seu dia-a-dia.
Quinto, por a escola se pensar como família ou como uma extensão da família, nuclear e burguesa, a maioria dos pais a toma não como escola, mas como a própria família que deve não só contribuir para formar o cidadão, mas também arcar com as demais premissas e prerrogativas do ideal de família nuclear burguesa: cuidadora, mantenedora, educadora, acolhedora. E isto se agrava sobremaneira no nosso tempo, onde o próprio conceito de família nuclear e burguesa não diz mais quase nada sobre nossa realidade, sobretudo para este público que frequenta as escolas públicas. Público para o qual o conceito de família é totalmente ou são totalmente outros, quase tão múltiplos quanto o número de alunos que se dirigem a escola.
Famílias constituídas, muitas vezes, apenas pela mãe ou pela avó ou a tia ou o parente distante. Mães que não vivem mais com os pais biológicos de seus filhos ou que se quer os conhecem, mas que agora tem um padrasto ou vice-e-versa. Ou a mãe que desistiu de apanhar dos muitos homens que passou por sua vida e agora vive uma relação homo afetiva com parceira fixa ou relações homoeróticas com parceiras variadas. Ou o pai que mora com a mulher “oficial” e a amante dentro da mesma casa, juntando também os filhos de ambas. Famílias múltiplas, enfim. E diante delas a Escola encontra-se sem rumo, sem prumo, nomeando-as com o único vocabulário que lhe resta e sabe manejar com precisão: famílias desestruturadas, anômalas, anormais, pois nenhuma se encaixa no seu modelo de família, no seu ideal burguês de família nuclear.
Até mesmo os professores, mais próximos desta realidade, se tornam impotentes diante desta realidade, pois frutos de outra geração na qual a autoridade do pai ainda se fazia sentir, mas já em transição para estes novos tempos se sentem perdidos entre um tempo e outro, entre a compreensão e a recusa, entre a condescendência e a punição, entre o agir e o omitir-se. Paradoxo da profissão. Na falta do que fazer, continuar fazendo o mesmo, ou seja, nada.
O despreparo ou o vazio da Escola diante de nosso tempo é tão patente que ela pouco sabe o que fazer diante o avanço das novas tecnologias da informação, da comunicação e da eletrônica. Equipamentos cada vez mais divulgados, difundidos e utilizados pelos alunos, mas que a Escola não sabe não sabe como aproveitar todo o seu potencial para a produção e circulação de conhecimento. E como não sabe o que fazer, proíbe. Proíbe ou tentam proibir o uso de celulares, aparelhos eletrônicos e congêneres no momento das aulas, desperdiçando assim o potencial e as possibilidades abertas por estas tecnologias para a aprendizagem e a produção do conhecimento.
A escola não consegue compreender também aquilo que Michel Mafesoli chama de processo de tribalização da sociedade, no qual os elementos de identificação societais – modo de vestir, locais de frequentação, gosto musical, artistas e esportes preferidos etc. – passam a definir as relações grupais, constituindo tribos que se relacionam muito mais pela sinergia dos gostos, dos gestos, atitudes e desejos semelhantes do que por uma clara distinção social marcada por critérios econômicos ou puramente classistas. Assim, o uso do boné, de determinadas vestimentas, como shorts curtos, blusas coladas se tornam símbolos de identificação e pertencimento a um grupo, a uma tribo. Assim como aquilo que se escuta, que se faz e que se fala, ou seja, as próprias atitudes e gestos definem esta pertença a um grupo – periguetes, roqueiros, rappers, skatistas, pagodeiros, boizinhos (as), surfistas, swingueiros, emos, punks, góticos e inúmeros outros que surgem a cada dia – ou a alguns grupos ao mesmo tempo. Tribos estas que vem se multiplicando ao sabor dos ventos e na velocidade dos acontecimentos que caracterizam nosso tempo.
Diante desta diversidade de tribos, nossas escolas ainda trabalham pautadas pela homogeneização pelo uniforme, que tenta, em vão, substituir as identidades móveis, com as quais não sabe lidar, dialogar, pela identidade fixa do estudante fardado, numa tentativa de reduzir o múltiplo e o diverso ao único, ao mesmo. Reduzindo a diferença à identidade; identidade esta que não foi construída numa relação de partilhamento simbólico, de sentimentos de pertença e identificação, mas impostas de cima para baixo, como resultado de uma relação de dominação e sua aculturação por aqueles que frequentam os bancos escolares.
Assim, quando a escola diz que o aluno não pode usar boné, que não pode usar a bermuda ou a blusa que usa cotidianamente é muito menos uma regra que se impõe do que a quebra, muitas vezes dolorosa, com o processo de construção das identidades sociais destes alunos. Agravando e tornando, desta maneira, muito mais confuso e conflituoso o processo de construção das identidades sociais destes sujeitos. Alimentando, assim, sua rebeldia, sua revolta, sua “indisciplina” diante da Escola e promovendo ainda mais a antipatia destes sujeitos por esta instituição que passa a significar para eles muito mais um espaço de cerceamento, do tolhimento de suas invenções enquanto sujeitos sociais, do que uma possibilitadora deste processo.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

SOBRE BBB

         Não acho que assistir ao BBB seja tão irrelevante, "incult", não reflexivo como muitos gostam de apregoar, muitas vezes para se mostrar ou se apresentar como aquilo que não são ou que são apenas por rarissimos momentos do dia, em especial diante de quem é conveniente se apresentar assim. Mas, vamos a minha "reflexão" sobre o BBB. Assistir ao BBB "serve" - vou utilizar este termo entre aspas justamente para destacar como a nossa sociedade ainda opera por uma lógica utilitarista, onde até o divertimento tem de servir para alguma coisa, nossa sociedade e seus vigias de plantão não aceitam a diversão pela diversão, o divertimento puro e simples, claro que o BBB estrapola a alçada da simples diversão para uma dimensão mais elaborada e mercadológica do mesmo, o entretenimento, não quero negar isto - para termos uma ideia ou uma imagem da sociedade em que vivemos, não tanto pelos participantes que lá estão "servindo" como animais do nosso zoo pós-moderno, ou pela visão que temos do programa em sí, mas, antes de tudo, para considerarmos qual a ideia que os conglomerados midiáticos deste páis, em especial as Organizações Globo, têm da sociedade a qual eles destinam os seus programas de entretenimento, dentre eles o BBB. 
          Neste sentido, o BBB é um espelho muito claro, muitas vezes tão transparente que ofusca a visão daqueles que obsevam daqui de fora e ficam com a visão embarçada para enxergar que o BBB é uma metáfora de como a Globo nos pensa como sociedade. Uma sociedade ainda vista como rebanho, que precisa ser estimulada, adestrada, contingenciada, instigada por um adestrador de circo que muitas vezes aparece travestido de pseudo intelectual canastrão, bem à moda. Uma sociedade de bundas, pernas, músculos, corpos e pouco cérebro. Uma sociedade que, portanto, necessita ser vigiada, dia e noite, regrada, observada, punida, quando necessário. Se o Bial e o Boni são os grandes irmãos do BBB - espero que tenham entendido o trocadilho - a GLOBO e os Marinho seriam os nossos, a zelar, a vigiar, a controlar nossos execessos - no duplo sentido do termo -, a nos guiar como sociedade, como povo e como nação. Dentre outras coisas o BBB "serve" para isso, mas deve "servir" também para nos entreter, nos divertir e tripudiar, sobretudo, da impáfia e prepotência de nossos grandes irmãos que ainda continuam achando que também nos vemos assim como eles nos enxergam. Talvez, só quando nos seja conveniente.

AS UPPs E A REMOÇÃO BRANCA NAS FAVELAS DO RIO OU A CIDADANIA SOBE O MORRO DE CAVEIRÃO E QUANDO APEIA DÁ DE BICO EM QUEM MAIS ESPERAVA POR ELA: OS POBRES.

          Ao longo dos últimos meses estamos assistindo, alguns embasbacados, aquilo que vem sendo chamado pela grande mídia, em especial pela GLOBO, de processo de pacificação das favelas cariocas. E este processo nas telas da GLOBO é cada dia mais superdimensionado e espetacularizado como verdadeiras façanhas holiodianas - a cunhagem deste termo é minha - que têm levado cidadania, Estado e liberdade para o povo humilde da favela e segurança para a população do Rio. Não devemos negar que em grande medida este processo traz uma série de melhorias para aquelas áreas em um primeiro momento, no entanto, a médio e longo prazo ele parece se mostrar extremamente danoso para a população autóctone. Explico. Esta população antes deste processo vivia em uma situação social em que o Estado não se fazia presente em praticamente nenhum sentido, sem oferecer saúde, educação, segurança, condições de moradia digna etc, mas também pouco ou nada cobrava de impostos ou permitia ou dava condições para que as concessionárias públicas ou privadas cobrassem contas de água, luz, esgoto, telefone, TV a cabo entre outras. As favelas pareciam funcionar sob regras próprias, internas a cada uma e correlatas ao poder e ao sabor dos chefes do tráfico de plantão, que faziam as vezes do Estado, na ausência de sua presença efetiva. 
            Mas, com a chegada do Estado, repentinamente, pressionado pela iminencia da realização da Copa do Mundo e sobretudo das Olimpíadas e a necessidade de construir e mostrar para o mundo a imagem de uma cidade civilizada, pacificada este processo se tornou urgente. E com a urgência com quem ele vem sendo feito, os mais prejudicados parecem ser, como sempre, as pessoas mais humildes, residentes a anos naquelas localidades. Porque o Estado subiu o morro e levou a reboque não só um arremedo se segurança, de educação, de saúde, de condições dignas de moradia, mas também trouxe consigo os impostos, as suas cossecionárias e as privadas para cobrar pela luz, pela água, pelo esgoto, pelo telefone, pela TV a cabo. Trouxe também seus parceiros privados, ligados a especulação imobiliária que, nas favelas do Rio, se aproveitam cada dia mais da imagem criada e vendida para o mundo da favela como cartão postal e ponto turístico para estrangeiro ver. Neste sentido o processo de pacificação se direciona muito mais para este fim, potencializar as favelas como ponto turístico, agora pacificado, civilizado, higienizado e com as belas visões das belezas naturais que lhes são prórprias e que antes eram aproveitadas apenas pelos seus habitantes e o chegados do tráfico. 
             Assim, ao potencializar a favela como ponto turítico, aumenta-se o preço do aluguel, da alimentação, da diversão, da bebida, da vida como um todo. Trouxe também as grandes lojas e redes de supermercados, de farmácia, as boates classe média e uma gama de serviços em geral que terminam por encarecer a vida na favela, fazendo a venda da esquina quebrar, e toda a rede de solidariedade e comércio comunitário que girava no seu entorno, no crédito de boca, no fiado, na venda ao conhecido sem precisar de cartão ou dinheiro, o barzinho "pega bêbado" fechar as portas, o funk no alto do morro deixar de ser para toda a comunidade e passar a ser para quem tem condições de pagar e, também, sem o tráfico para suprir as necessidades básicas da população, em troca de proteção e anuência, quando tudo o mais faltava e falhava.
             Desta forma a vida na favela vem ficando cada vez mais cara, cada dia mais impossível para aqueles. que a construíram e que moram lá a anos, que fizeram daquele espaço sua referência existencial, que subiam o morro anos a fio, mesmo diante da presença do tráfico e de seus soldados, sem serem incomodados, pois todos conhecidos. Pessoas que agora se vêm diante da impossibilidade de continuar morando ali por não terem a condição financeira de arcar com as despesas que o Estado trouxe com sua presença, despesas estas que não faziam parte do orçamento de praticamente nenhuma família e que cairam de paraquedas, subiram o morro de caveirão, de tanque e por lá ficaram. Este encarecimento da vida na favela tem levado a uma migração silenciosa desta população mais humilde para áreas mais afastadas da cidade do Rio, para áreas e bairros cada vez mais distantes. Por ter chegado do dia para a noite, praticamente sem avisar e sem preparar a população para as consequências da sua chegada ou até mesmo possibilitar um hiato para a adaptação da mesma a sua presença, o Estado vem promovendo uma "remoção branca" nas favelas do Rio, remoção esta que atinge principalmente os mais pobres, os mais humildes, realizando, assim, conscientemente ou não, aquilo que as elites cariocas sempre almejaram, higienizar seus arredores do fedor do pobre e de sua estética dita incivilizada.
             A cidadania e a liberdade tão prometida e alardeada pelo Estado e aplaudida e espetacularizada pela mídia subiu o morro de caveirão, mas apeou dele solando e dando de bico naqueles que mais ansiavam e esperavam por elas: os pobres.


          

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

MARCO ANTONIO VILLA, O MAIS NOVO VENTRÍLOCO DO CONSERVADORISMO MIDIÁTICO E DEFENSOR DA MORALIDADE E FISCALIDADE PÚBLICA AOS MOLDES REINALDO AZEVEDO.

            O historiador Marco Antonio Villa parece ter ficado tão deslumbrado com o espaço que a GLOBO e a VEJA lhe deu para divulgar seu livro que parece ter perdido o senso de perspectiva que a profissão enseja. Deu agora para se apresentar como um dos ventrílocos da moralidade e da fiscalidade pública, em recente artigo seu publicado na FOLHA, nos mesmos moldes de Reinaldo Azevedo e Augusto Nunes. A sindrome de Caetano Veloso parece ter atingido não só a Mary del Priory, mas parece que também levou a reboque o Marco Antonio Villa. 
            Mas o pior não é isso, o Marco Antonio Villa reproduz um discurso que tenta reescrever a história recente do país legitimando o que há de mais reacionário e conservador em nossa sociedade, o papel que a grande mídia nacional exerceu ao longo do perído ditatorial, em especial a FOLHA - onde o Villa publicou seu artigo -, a VEJA, a GLOBO, o ESTADÃO, e que vêm exercendo nos últimos anos. Papel este que segundo Villa é o do vigoroso combate aos "abusos do poder". Poder este, que para Villa, em seu artigo, é incorporado pelo Governo Federal que teria desencadeado nos últimos anos um processo de repressão facista, vejamos o que diz o nosso iminente historiador:
"A minha questão é com a forma como o governo federal montou uma política de poder para asfixiar os opositores. Ela é muito mais eficiente que as suas homólogas na Venezuela, no Equador ou, agora, na Argentina.
Primeiro, o governo organizou um bloco que vai da direita mais conservadora aos apoiadores do MST. Dessa forma, aprova tudo o que quiser, com um custo político baixo. Garantindo uma maioria avassaladora no Congresso, teve as mãos livres para, no campo da economia, distribuir benesses ao grande capital e concessões aos setores corporativos. Calou também os movimentos sociais e sindicatos com generosas dotações orçamentárias, sem qualquer controle público.
Mas tudo isso não basta. É necessário controlar a imprensa, único espaço onde o governo ainda encontra alguma forma de discordância. No primeiro governo Lula, especialmente em 2005, com a crise do mensalão, a imprensa teve um importante papel ao revelar as falcatruas -e foram muitas.
No Brasil, os meios de comunicação têm uma importância muito maior do que em outras democracias ocidentais. Isso porque a nossa sociedade civil é extremamente frágil. A imprensa acaba assumindo um papel de enorme relevância.
Calar essa voz é fechar o único meio que a sociedade encontra para manifestar a sua insatisfação, mesmo que ela seja inorgânica, com os poderosos.
Já em 2006, quando constatou que poderia vencer a eleição, Lula passou a atacar a imprensa. E ganhou aliados rapidamente. Eram desde os jornalistas fracassados até os políticos corruptos -que apoiavam o governo e odiavam a imprensa, que tinha denunciado suas ações “pouco republicanas”.
Esse bloco deseja o poder absoluto. Daí a tentativa de eliminar os adversários, de triturar reputações, de ameaçar os opositores com a máquina estatal.
É um processo com tinturas fascistas, que deixaria ruborizado Benito Mussolini, graças à eficiência repressiva, sem que se necessite de esquadrões para atacar sedes de partidos ou sindicatos. Nem é preciso impor uma ditadura: o sufrágio universal (sem política) deverá permitir a reprodução, por muitos anos, dessa forma de domínio." ( Extraído do blog do Reinaldo Azevedo - aquele mesmo - que tece clamorosos elogios ao mais novo ventríloco, ver: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/)
          Digam-me se não é um primor de análise esta do nosso iminente historiador, digna das páginas de Veja. Sem mais.

AS CHUVAS DE VERÃO OU A TENTATIVA DE AFOGAMENTO DO GOVERNO PELA/O GLOBO

            A GLOBO e a VEJA retornaram às suas atividades políticas no ano recém iniciado tentando produzir uma ecatombe chuvosa, alardeanto medo e desespero entre a população, numa sordida tentativa de afogar mais um ministro e o governo DILMA em mais uma suposta crise política de grandes e graves consequências. Mas, parecem ter esquecido de confrontar este discurso com aquilo que os jornalistas chamam de "fatos", com a "realidade dos fatos". As chuvas de verão deste ano parecem ter se tornado nos escritos, nas vozes, nas falas e nas imagens de VEJA e GLOBO na maior tragédia ambiental de todos os tempos. Redescobriram as encostas das cidades do Rio e de Minas na mesma intempestividade das chuvas de verão, mas ao longo do ano passado esqueceram, calaram e silenciaram diante da farra com o dinheiro público, repassado pelo governo federal, que os prefeitos da região serrana do Rio fizeram e nada investiram para que tragédias semelhantes não voltassem a ocorrer. 
         Diante deste "fato" GLOBO e VEJA se calaram o ano inteiro, esquecendo do papel que dizem desempenhar, o de arautos da moralidade e da fiscalidade pública, simplemente silenciaram. Por suposto, devido ao fato, de que aquele "fato" na visão de seus editores não diz respeito ao principal papel que a mídia exerce hoje no país, o de oposição ao Governo Federal. Papel este que segundo seu mais novo ventríloco, o historiador - estamos bem servidos de historiador, com um desta estirpe, o resto é o resto - Marco Antonio Villa, se caracteriza pela oposição aos "desmandos do poder". Segundo este a mídia exerce o vigoroso papel de defensora da democracia diante do autoritarismo, da repressão e da cooptação de tonalidade facista exercida pelo Governo, algo que segundo Villa, não foi feito ou visto nem durante a "ditabranda", como gosta de nomear o jornal no qual ele escreveu recente artigo.
            Agora, esta mesma mídia tenta se investir mais uma vez neste papel para tentar colocar em questão a transferencia de verbas do Ministério da Integração Nacional para Pernambuco, sob o pífio argumento de favorecimento do curral eleitoral do ministro. Esqueceram os arautos da moralidade e da fiscalidade pública que a Mata Sul de Pernambuco passou por duas catastrofes climáticas sem precedentes na sua história em menos de um ano, tendo destruído inúmeras cidades e deixado milhares sem casa e ao desabrigo de barracas improvisadas, esqueceram também de constatar o que está sendo feito nesta região para recuperar os prejuízos e previnir novas catastrofes, exatamente com o dinheiro do suposto favorecimento. Esqueceram até de problema climático, talvez, mais grave: a seca que assola a quase três meses a maioria dos municípios do sul do país. Mas, como o o bjetivo principal desta campanha é transformar uma chuva de verão em um mar de catástrofe para afogar o governo, a seca não repercute. No entanto, como diria Cazuza: "suas ideias não correspondem aos fatos, essa piscina está cheia de ratos".