domingo, 4 de março de 2012

Enigmas

   Quem teceu o manto que encobre o azul do céu num dia frio?
Talvez belas mãos com belos fios azuis ou, talvez, o acaso, o intempestivo, a intensidade de forças que produz lágrimas lamuriantes que caem costumeiramente das sombras escuras por sob as pálpebras deste mesmo céu.
Quem compreendeu a agonia de Prometeu diante da arrogância dos deuses?
Talvez o tempo que queima como o fogo ou o instante e as ocasiões que flamejam como as chamas.
Quem escutou o último suspiro do poeta abandonado?
Talvez, todos os corações solitários na iminência de seu último suspiro, lamuriantes por serem abandonados.
Quem desenhou a trajetória de um amor que nunca se olhou no espelho?
Talvez, o espelho, o próprio espelho. Quadro sem imagem, imagem de todos os quadros. Lugar nenhum. Trajetória. 
Quem se assombrou com os fantasmas de um passado nunca visitado?
Talvez, aquele que nunca viveu, que nunca sofreu, que nunca gritou, que nunca sorriu, que nunca amou, que nunca morreu a cada dia. Afinal, nossas vivencias ou nosso vivido não é outra coisa senão fantasmas que nos assombram, nos atormentam e nos fazem viver, pensar, morrer.
Quem pensa que a incerteza levita sem destino num mundo sem gravidade?
Talvez, todos os bailarinos: da escrita, da dança, do amor e do mundo. Todos aqueles que vivem a vida como um palco de nuvens que caminha sob o céu.
Quem aportou no último cais iluminado numa noite sem estrelas?
Talvez, todas as estrelas no apagar de suas luzes. Luzes sem estrelas. Noites escuras.
Quem inventou a palavra solidária que escondeu um coração errante e solitário?
Talvez, o andarilho errante, homem ordinário, no seu caminhar tumultuado e solitário em meio a multidão pouco solidária de cada dia, de todos os dias, de nossos dias, de todos os lugares, em todos os lugares.
Talvez.
Talvez.
Talvez.

Com a contribuição de Antonio Paulo Rezende.

Sobre História: em prosa.

           Talvez, devesse escrever um texto por demais teórico, rebuscadamente conceitual para dar a ler e a pensar o meu entendimento sobre a história. Afinal, é quase sempre assim que procuramos definir, classificar, nomear as coisas, o mundo, a nós mesmos e aos outros. Mas, se a experiência é realmente o que nos passa e o modo como nos colocamos em jogo, nós mesmos, no que se passa conosco. Ou seja, se a experiência é a cada passo, uma passagem, um percurso no qual nos ensaiamos e provamos a nós mesmos, esse texto não poderia vir talhado numa linguagem seca, pálida de paixão, de desejo e de sentimento. Não poderia ser apenas um amontoado de conceitos e categorias. Pois, a história, apesar de feita também com palavras, transborda paixão, dor, alegria, ternura, amor...
          E neste percurso quero dar a pensar e ler este texto desviando dos caminhos dourados que tanto encantam e seduzem aqueles que continuam na busca insaciável pela pureza do sentido, pel oaconchego de um lugar tranquilo. Estes não me encantam mais, não mais me tocam ou me afetam. Parecem desvanescer tão intensa e rapidamente quanto a voracidade da procura. Desaparecem, ruem. Por mais que muitos continuem na ânsia de buscá-los, de erguê-los, de sustentá-los. Tola esperança. Não se deram conta que são, agora, sombras, zumbis, espectros guardando o muro de cidades fantasmas. São como réstias, sombras do Senhor Palomar, de Calvino. É o que restaram de suas pegadas na areia da praia, ainda tentando, em vão, capturar o ir e vir das ondas. Não se dão conta de que a maré avança por sobre eles, não como uma onda, mas como muitas ondas que vão e vem, se cruzando, interpenetrando, apagando, corroendo.
          Talvez, devesse me proteger de seu avanço e continuar como aqueles, na tentativa de domá-la, de capiturá-la ou ao menos tentar prever seus movimentos. Mas, isto não é mais possível, já estou encharcado. Elas avançaram por sobre a minha escrita e meus escritos, por sobre mim. É de dentro delas que se insinua este texto. É nas, entre, com e sob as ondas, no mar da história, que surfamos, que bailamos. É nele e para ele que somos levados, eu e minha prancha, esta página em branco. Espaço vazio que muitos já percorreram, tentando marcá-la, mas que continua ficcionalmente em branco. É diante dela que me ponho e é com ela e sobre ela que devo caminhar.

***

         Pego-me diante de uma página em branco, aparentemente em branco, um ficção dado ao olhar. Quantos, antes de mim, através de mim, já a escreveram e continuam a manchá-la, a rabiscá-la. Folha em Branco, heterotopia, lugar sem lugar. A todo instante queremos marcá-la, (re)escrevê-la ou, pelo menos, borrá-la, rasurá-la, deixar ao menos uma marca que nos territorialize, que transmita a sensação ou a possibilidade de orientação. No entanto, como todo lugar heterotópico, a folha em branco não nos permite fixar. Ao contrário, nos sacode, nos envolve, revolve e nos lança uma vez mais no desconhecido. A cada instante, a cada momento a ficção, da página em branco. Ela nos consome enquanto, quimericamente, pensamos está esgotando-a, dominando-a, conquistando-a. Tola esperança, ela não se presta mais a isto, nãao permite mais ou não cede mais espaço a este tipo de pretensão.

***

          Não há ponto de partida, talvez alguns pontos de orientação, alguns marcadores. Contudo, como se dá a entrada neste movimento, nestecmar ora revolto, turbulento, ora calmo, tranquilo? Como se insinuar por sob as ondas, sem ser tragado por elas, sem se fixar ou buscar ou ancoragem em pontos supostamente seguros? Talvez, o melhor seja surfá-las, uma vez que não há caminho a percorrer, não há porto, nem de partida, nem de chegada. Apenas um mar revolto. Sem nascentes, apenas a sensação de algo deixado para trás, sem horizontes, a não ser na ficção de observá-lo. Enfim, sem nascentes, nem poentes, apenas a possibilidade de navegar a partir das correntes, dos fluxos e intensidades, dos ventos que sopram.
          Páginas em branco, quanto já tentaram preenchê-las, esgotá-las. A ficção de atribuir um ponto de partida e outro de chegada, de demarcar o caminho, o traçado. No entanto, estes se evanesceram, são encerrados nos túmulos brancos, de páginas em branco, se perdem no emaranhado de tantas colorações, marcas, rasuras, rascunhos e escritas já feitas e desfeitas. Não há caminho, apenas a possibilidade de se estabelecer alguns traçados, não muito longos, curtíssimos, a distancia de um passo, nem sempre longo, as vezes curtíssimos; todos eles, a maioria deles experimentados ocasional e intempestivamente. Intensos.
         
***

       Jogo. Imprevisível. Inapelável. Encontros e desencontros, afastamentos e aproximações. Entre a lembrança e o esquecimento. O acaso o determina, isto é: não há determinação, nem mesmo a memória os passos dados permite prever os que se seguirão. As vezes é necessário esquecer os passos dados. Lembrança e esquecimento são condições necessárias neste jogo, uma vez que lembrar é, ao mesmo tempo, fazer esquecer. Lembramos ao mesmo tempo em que esquecemos, necessário paradoxo. Enfim, são fluxos, refluxos, correntes, fios que nos insinuam e se insinuam, que possibilitam encontros e desencontros. De toda forma o caminho não está dado, mas por ser experimentado. Cada passo é um experimento, um ensaio que implicam encontros, desencontros, aproximações, afastamentos e acima de tudo saber lembrar e saber esquecer.

***

           Forças, fluxos, sinergia. Impossível saltar para fora delas ou escapar a elas, muito menos manipulá-las, apenas nos inserir nos movimentos, nos fluxos e turbilhões, assim como um surfista ao pegar uma onda. O traçado. O bailado, as manobras não estão dados a priori, o traçado se faz no caminhar, assim como o bailado do surfista se produz ao se inserir numa onda. Onde começa e onde se termina? Não se sabe. É impossível precisar. Nos é dado apenas a condição de produzir os movimentos, não de escolher O Caminho, ou seja, para onde vamos. Estamos no limite, entre sermos tragados por estas ondas, suas forças, seus fluxos ou dobrá-las, surfá-las. Temos apenas a segurança de nossa prancha, uma heterotopia, página em branco, lugar sem lugar. Apenas um mecanismo para melhoir se inserir e deslizar por sobre as ondas. Ela não é um ponto de partida, muito menos de chegada, não permite a certeza do caminho. Apenas um mecanismo de como se inserir. É uma heterotopia, não nos dá defesas, não tem paredes, muros, fronteiras, fixidez...

Os militares e a disputa das eleições municipais de São Paulo.

           A possibilidade cada vez mais clara da extrema-direita brasileira perder o comando daquele que talvez seja seu último e principal reduto, a cidade de São Paulo, tem feito com que parte de seus quadros tenha se lançado numa campanha das mais terríveis e sórdidas, parecendo não exitar de se utilizar de qualquer meio para manter suas hostes. 
       Primeiro, estão transformando a eleição paulista numa espécie de terceiro turno das eleições presidenciais de 2010, num revanchismo descarado diante das inúmeras derrotas impingidas pelas esquerdas, nos últimos anos, a nível nacional e em vários estados onde aquelas eram até então soberanas. Não bastasse levar o debate político para o nível dos esgotos, alimentando preconceitos e visões de mundo que em muito ultrapassam o medievalismo da Igreja Católica, estão agora a bater nas portas de nossos quarteis, numa sórdida tentativa de pavimentar o caminho para um possível golpe ou de colocar a possibilidade de um, como elemento de pressão nesta disputa. Ao estilo Lacerda de fazer jornalismo, Reinaldo Azevedo e outros articulistas dos jornalões paulistas já chegaram a convocar, com todas as letras, uma nova marcha da família com cristo pela vida e pela liberdade. 
        Serra, o seu candidato, numa postura claramente articulada com este discurso, tenta viabilizar sua candidatura como aquela que vai salvar São Paulo e, por extensão, o Brasil do lulo-petismo, o novo espantalho posto no lugar do comunismo, e contra o qual toda a direita se arvora combater, supostamente em nome do estado democrático de direito. E é em nome do legalismo que estes mesmos jornalões e seus ventrílocos incitam os militares, iniciando-se por aqueles que estão na reserva, à indisciplina e a desobediência a hierarquia, numa clara afronta a autoridade da presidente e do Ministro da Defesa, seus superiores. 
        Não será surpresa nenhuma se a esta altura, estes mesmo sujeitos já tenham batido às portas dos militares da ativa, sobretudo daqueles saudosos dos tempos da ditadura. Pois, é cada vez mais claro que usarão todos os meios, todos mesmos, para manterem o seu reduto, e o resto dos privilégios que lhe sobram. Mesmo que para isso a democracia seja mais uma vez ameaçada. Não podemos ficar calados diante disto.

sexta-feira, 2 de março de 2012

OS HISTORIADORES E A POLÍTICA

             Um "fato", em especial, tem me deixado perplexo ao longo dos últimos anos: a indeferença de boa parte dos historiadores brasileiros, em especial aqueles que lecionam nas intituições do Nordeste brasileiro, diante da polítca, no sentido estrito da palavra. Todos sabemos da dimensão política do trabalho do historiador, daquilo que ele apresenta de contestação a ordem estabelecida ao relativizar seus fundamentos a medida que os historiciza e desnaturaliza-os. No entanto, isto não justifica o silêncio da maioria dos historiadores diante de questões candentes de nosso tempo. Não justifica que a maioria assista impassíveis aos acontecimentos nefastos que cada vez mais se multiplicam diante de nós. Sem tomar um posicionamento, sem tomar partido, a não ser o partido do silêncio, muitas vezes, complacente. Isto talvez se explique pelo ranço que a militância política marxista deixou sobre alguns de nós e que os adeptos de novas tendências tentam negar e fugir dela como o diabo da cruz. Mas, isto não serve para justificar o não se posicionar de forma alguma, o silenciar quando é necessário gritar, o fingir que não é comigo quando a coisa, na verdade, diz respeito a todos. 
            Ultimamente temos visto uma incitação muito clara a um novo golpe ou a preparação do terreno para tal possibilidade por parte de sectos de uma mídia reacionária, conservadora e golpista que, no fundo, no fundo nunca se conformou com a perda de privilégios e a ascenção de um sem número de "miseráveis", como gostam de nomeá-los, à visibilidade social nos últimos anos. Em 2005 tentaram promover um golpe branco, pavimentando o caminho para o impiechment do presidente Lula. Projeto fracassado. Em 2006 tentaram demovê-lo do cargo mediante uma campanha sórdida impetrada contra a sua reeleição. Espediente repetido nas eleições de 2010 e mais uma vez fracassado. Desta vez tentam incitar os militares, eles mesmos, contra um governo legítima e democraticamente eleito, mediante o discurso da defesa do Estado Democrático de Direito e da legalidade perante a sanha petista que estaria tentanto tranformar o Brasil na próxima Venezuela ou quem sabe num protótipo melhorado de Cuba. O Reinaldo Azevedo certo dia desses chegou a convocar uma nova marcha da família com cristo em defesa da vida e da liberdade. José Serra, candidato inúmeras vezes derrotado, se arvora ser candidato a prefeito de São Paulo baseado neste mesmo discurso, se colocando como aquele que vai salvar São Paulo e por extensão o Brasil do petismo. 
           Nós, historiadores conhecemos muito bem onde isso pode dar, se bem que hoje as coisas são mais difíceis de tomar o caminho que tomaram a alguns anos atrás, mas nem por isso a possibilidade deixa de estar colocada. E diante disto não escutamos a voz quase nenhum historiador...nada, siléncio total. Indiferença quase que total. Profunda despolitização do historiador. Estamos nos tornando seres apolíticos, quando muito reservamos o questionamento político apenas àquilo que escrevemos. Mas, só isto não basta. É preciso nos colocarmos de corpo também, é preciso nos postamos diante das questões de nosso tempo, porque elas são nossas também. Ou será que não aprendemos com os exemplos de Bloch, de Foucault e outros...