domingo, 4 de março de 2012

Sobre História: em prosa.

           Talvez, devesse escrever um texto por demais teórico, rebuscadamente conceitual para dar a ler e a pensar o meu entendimento sobre a história. Afinal, é quase sempre assim que procuramos definir, classificar, nomear as coisas, o mundo, a nós mesmos e aos outros. Mas, se a experiência é realmente o que nos passa e o modo como nos colocamos em jogo, nós mesmos, no que se passa conosco. Ou seja, se a experiência é a cada passo, uma passagem, um percurso no qual nos ensaiamos e provamos a nós mesmos, esse texto não poderia vir talhado numa linguagem seca, pálida de paixão, de desejo e de sentimento. Não poderia ser apenas um amontoado de conceitos e categorias. Pois, a história, apesar de feita também com palavras, transborda paixão, dor, alegria, ternura, amor...
          E neste percurso quero dar a pensar e ler este texto desviando dos caminhos dourados que tanto encantam e seduzem aqueles que continuam na busca insaciável pela pureza do sentido, pel oaconchego de um lugar tranquilo. Estes não me encantam mais, não mais me tocam ou me afetam. Parecem desvanescer tão intensa e rapidamente quanto a voracidade da procura. Desaparecem, ruem. Por mais que muitos continuem na ânsia de buscá-los, de erguê-los, de sustentá-los. Tola esperança. Não se deram conta que são, agora, sombras, zumbis, espectros guardando o muro de cidades fantasmas. São como réstias, sombras do Senhor Palomar, de Calvino. É o que restaram de suas pegadas na areia da praia, ainda tentando, em vão, capturar o ir e vir das ondas. Não se dão conta de que a maré avança por sobre eles, não como uma onda, mas como muitas ondas que vão e vem, se cruzando, interpenetrando, apagando, corroendo.
          Talvez, devesse me proteger de seu avanço e continuar como aqueles, na tentativa de domá-la, de capiturá-la ou ao menos tentar prever seus movimentos. Mas, isto não é mais possível, já estou encharcado. Elas avançaram por sobre a minha escrita e meus escritos, por sobre mim. É de dentro delas que se insinua este texto. É nas, entre, com e sob as ondas, no mar da história, que surfamos, que bailamos. É nele e para ele que somos levados, eu e minha prancha, esta página em branco. Espaço vazio que muitos já percorreram, tentando marcá-la, mas que continua ficcionalmente em branco. É diante dela que me ponho e é com ela e sobre ela que devo caminhar.

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         Pego-me diante de uma página em branco, aparentemente em branco, um ficção dado ao olhar. Quantos, antes de mim, através de mim, já a escreveram e continuam a manchá-la, a rabiscá-la. Folha em Branco, heterotopia, lugar sem lugar. A todo instante queremos marcá-la, (re)escrevê-la ou, pelo menos, borrá-la, rasurá-la, deixar ao menos uma marca que nos territorialize, que transmita a sensação ou a possibilidade de orientação. No entanto, como todo lugar heterotópico, a folha em branco não nos permite fixar. Ao contrário, nos sacode, nos envolve, revolve e nos lança uma vez mais no desconhecido. A cada instante, a cada momento a ficção, da página em branco. Ela nos consome enquanto, quimericamente, pensamos está esgotando-a, dominando-a, conquistando-a. Tola esperança, ela não se presta mais a isto, nãao permite mais ou não cede mais espaço a este tipo de pretensão.

***

          Não há ponto de partida, talvez alguns pontos de orientação, alguns marcadores. Contudo, como se dá a entrada neste movimento, nestecmar ora revolto, turbulento, ora calmo, tranquilo? Como se insinuar por sob as ondas, sem ser tragado por elas, sem se fixar ou buscar ou ancoragem em pontos supostamente seguros? Talvez, o melhor seja surfá-las, uma vez que não há caminho a percorrer, não há porto, nem de partida, nem de chegada. Apenas um mar revolto. Sem nascentes, apenas a sensação de algo deixado para trás, sem horizontes, a não ser na ficção de observá-lo. Enfim, sem nascentes, nem poentes, apenas a possibilidade de navegar a partir das correntes, dos fluxos e intensidades, dos ventos que sopram.
          Páginas em branco, quanto já tentaram preenchê-las, esgotá-las. A ficção de atribuir um ponto de partida e outro de chegada, de demarcar o caminho, o traçado. No entanto, estes se evanesceram, são encerrados nos túmulos brancos, de páginas em branco, se perdem no emaranhado de tantas colorações, marcas, rasuras, rascunhos e escritas já feitas e desfeitas. Não há caminho, apenas a possibilidade de se estabelecer alguns traçados, não muito longos, curtíssimos, a distancia de um passo, nem sempre longo, as vezes curtíssimos; todos eles, a maioria deles experimentados ocasional e intempestivamente. Intensos.
         
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       Jogo. Imprevisível. Inapelável. Encontros e desencontros, afastamentos e aproximações. Entre a lembrança e o esquecimento. O acaso o determina, isto é: não há determinação, nem mesmo a memória os passos dados permite prever os que se seguirão. As vezes é necessário esquecer os passos dados. Lembrança e esquecimento são condições necessárias neste jogo, uma vez que lembrar é, ao mesmo tempo, fazer esquecer. Lembramos ao mesmo tempo em que esquecemos, necessário paradoxo. Enfim, são fluxos, refluxos, correntes, fios que nos insinuam e se insinuam, que possibilitam encontros e desencontros. De toda forma o caminho não está dado, mas por ser experimentado. Cada passo é um experimento, um ensaio que implicam encontros, desencontros, aproximações, afastamentos e acima de tudo saber lembrar e saber esquecer.

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           Forças, fluxos, sinergia. Impossível saltar para fora delas ou escapar a elas, muito menos manipulá-las, apenas nos inserir nos movimentos, nos fluxos e turbilhões, assim como um surfista ao pegar uma onda. O traçado. O bailado, as manobras não estão dados a priori, o traçado se faz no caminhar, assim como o bailado do surfista se produz ao se inserir numa onda. Onde começa e onde se termina? Não se sabe. É impossível precisar. Nos é dado apenas a condição de produzir os movimentos, não de escolher O Caminho, ou seja, para onde vamos. Estamos no limite, entre sermos tragados por estas ondas, suas forças, seus fluxos ou dobrá-las, surfá-las. Temos apenas a segurança de nossa prancha, uma heterotopia, página em branco, lugar sem lugar. Apenas um mecanismo para melhoir se inserir e deslizar por sobre as ondas. Ela não é um ponto de partida, muito menos de chegada, não permite a certeza do caminho. Apenas um mecanismo de como se inserir. É uma heterotopia, não nos dá defesas, não tem paredes, muros, fronteiras, fixidez...

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