domingo, 26 de fevereiro de 2012

Ronaldinho Gaúcho: metáfora da Seleção e do futebol brasileiro.

        Acompanho futebol a cerca de 20 anos. Na maioria deles com um bom discernimento e certa criticidade em relação ao esporte bretão e ao que ele representa para nossa sociedade. E ao longo destes 20 anos Ronaldinho Gaúcho foi, talvez, o jogador mais talentoso, brilhante, genial que ví jogar, aquele que melhor expressou e simbolizou o futebol brasileiro, ontem e hoje. E olhe que ao longo destes 20 anos vi outros craques jogando e atuando: Um Romário (genial e mortal de fronte para o gol), Zidane (clássico, seco, elegante e objetivo), Rivaldo (Elegância e objetividade nas suas pernas tortas, sobretudo na canhota), Ronaldo (fenômeno de mídia, de marketing e de craque, o primeiro craque de estrelato mundial dos novos tempos do futebol, um divisor de águas no marketing futebolítico), Messi (Gênio e talento de mesmo potencial que o Gaúcho, sabe aproveitá-lo sem estrelismos e o está aproveitando até o seu limite, se é que há limite para tal talento). Mesmo diante destes nomes, Ronaldinho Gaúcho no seus auge, em especial no período em que ele esteve no Barcelona, de 2003 a 2006, antes da Copa do Mundo daquele ano, foi, para mim, o melhor e mais completo de todos eles, em todos os quesitos. Indiscutível, mágico. Um potencial sem limites ou com limites que ultrapassavam em muito o possível.
             Ronaldinho Gaúcho não era um craque, um gênio produzido apenas pelo marketing esportivo ou pela mídia como em grande medida se tornou o seu homônimo mais velho. Ele era um gênio sobretudo pelo que fazia dentro de campo, transformando o impossível em possível, o improvável em feito. Ao ponto de seus fãs acreditarem que de seus pés e pelos seus pés até mesmo o impensável se tornaria possível (como chutar a bola na trave quatro vezes seguidas, de quase do meio campo, sem que ela caísse e sempre retornando, milimétrica a seu pé) como um milagre, uma mágica. Como mágico era o seu futebol. Por essas e por outras, o Gaúcho naquele momento era maior e melhor do que Messi é hoje. O Gaúcho parecia torcer a realidade, a transformar com seus dribles, toques, passes, assistências, com os seus gols. Sobretudo, porque a genialidade do Gaúcho se fez em um Barcelona que não era tão genial e perfeito quanto o de hoje. Mas, em um Barcelona em que Ronaldinho lhe dava a perfeição sendo, muitas vezes, mais de 50 % do time, de um time que embora não se equipare com o de hoje, não deixava muito a desejar a este.
              Foi neste Barcelona que Ronaldinho Gaúcho se transformou no melhor jogador que vi em campo. Um gênio, um mágico, um artista da bola, com um potencial a desenvolver que não sabíamos o seu limite e, certamente, nunca mais saberemos. Simplesmente porque ele parou. Mesmo continuando a jogar, ele parou. Como numa mágica o artista sumiu e não voltou mais, nunca mais foi como antes. Declinou, tanto como atleta quanto como artista. Um artista, que a despeito de muitos, parece ter acreditado, muito cedo, já ter construído a sua obra prima e dali por diante não querer mais construir algo tão brilhante, tão reluzente, tão perfeito, tão mágico. O Ronaldinho gênio foi meteórico.
          Depois de 2006, Ronaldinho parou. Passou a viver  tão somente do nome e dos seus dividendos simbólicos e aconômicos. Deixou de ser um jogador gênial para viver apenas do nome e da mágica gerada, de fora, em torno dele. Tornou-se, de uma hora para outra, um jogador comum, burocrático, preguiçoso, com raríssimos lampejos de genialidade, de futebol arte. Tornou-se uma estrela lunar, que o brilho não emana mais de sí mesmo, mas das projeções de glamour e estrelato que o marketing depositam no seu nome. Por isso, cada vez mais, ele expressa um brilho fosco, emprestado, forçado, inventado e conservado pela mídia e pelo marketing, alimentado pelos interesses financeiros em torno da marca R10. Abandonou o brilho próprio produzido dentro dos campos e gramados mundiais pelo brilho não tão glamouroso das noitadas, das baladas, dos flashs, das páginas de revista de fofoca. Fez da sua carreira, com a ajuda de seu irmão e empresário, Assis, um balcão de negócios. Burocratizou seu futebol e mercantilizou a sua carreira. Deixou de ser um artista para se transformar num mero operário, num mero empregado - bem remunerado - do futebol empresa.
           Mas, Ronaldinho não construiu essa trajetória sozinho ou a parte daquilo que se passa com o futebol brasileiro como um todo. Não. Sua trajetória em grande medida parece se cruzar com  a própria trajetória do futebol brasileiro e, em especial, da Seleção Brasileira nos últimos 10 ou 15 anos. Sua trajetória é em grande medida a metáfora mais bem acabada de nosso futebol. Explico. Por tudo que já fez e proporcionou nos campos, Ronaldinho Gaúcho é um dos símbolos maiores daquilo que se define como futebol arte, alegre, ousado, criativo, vencedor, mágico. É simbolo de reconhecimento, de sucesso derivado de tudo aquilo que fez dentro de campo. R10 é também uma grande marca do marketing esportivo e uma estrela midiática. É sinônimo de retorno financeiro, de geração de recursos e dividendos econômicos. O mesmo também se pode dizer da Seleção Brasileira e, por extensão, do futebol brasileiro. Símbolo de futebol arte, de magia, de ousadia, de futebol alegre e vencedor. Mas que também se transformou em marca, em produto de marketing e da mídia a serviço de interesses comerciais excusos, como os do Presidente da CBF e os da GLOBO. A Seleção Brasileira foi transformada pelo Sr. Ricardo Teixeira numa marca, numa indústria de fabricação e venda de jogadores, num grande balcão de negócios extremamente lucrativos para ele e seus apaniguados. 
            O Ronaldinho é o espelho individualizado da seleção e das práticas que a conduzem, e o Assis é o seu Teixeira. Neste processo tanto ele quanto a Seleção foram se burocratizando, tornando-se mercadoria vendável a qualquer alto preço, a serviço dos interesses de patrocinadores e empresários e quase nunca a serviço do bom futebol. Mercadorias vendidas muito mais pelo nome que construíram anos atrás do que pelo que vem desempenhando hodiernamente dentro de campo. Um nome e uma imagem que a cada nova atuação só faz se esboroar, a medida que não correspondem mais, sequer, a 10% daquilo que é prometido no momento da venda ou daquilo que um dia já foram, do que podem ou do potencial que têm ou tiveram. Vivem muito mais da badalação em torno de seus nomes e marcas e do que um dia representaram do que propriamente daquilo que vem demonstrando efetivamente dentro de campo. Só uma mídia sequiosa de ver seus interesses e conveniências corroborados é que ainda lhe fazem coro e promovem o aplauso, que cada vez mais soa falso e forçado.
            Tanto Ronaldinho quanto a Seleção deixaram de protagonizar como artistas da bola pelos campos do mundo, para se tornarem meros empregados do futebol, num tempo onde tudo é comercializável, até mesmo o prazer em jogar futebol. Ronaldinho e a Seleção não parecem jogar mais por prazer, por diversão, por e pela arte, para encantar o mundo, quando muito por resultados. Mas, parecem jogar muito mais por obrigação. Obrigação em cumprir um contrato, obrigação mercadológica de quem vendeu um espetáculo, mas que a cada dia se mostra mais impossibilitado de realizá-lo, sempre postergando-o para a próxima apresentação, a próxima partida numa tentativa vã de que numa próxima a alma, o prazer e o gozo estejam presentes na encenação, no campo. Mercantilizaram-se à medida que se burocratizam cada vez mais. Insosos, insípidos. Aplaudidos apenas por uma mídia - diga-se a GLOBO - conivente e beneficiária com e dos dividendos econômicos que os dois ainda representam e geram.
             Trágica coincidência. Nunca o futebol brasileiro lucrou tanto em termos econômicos, mas também nunca ele tinha sido tão feio, tão pobre, tão burocrático e medíocre. Hoje, somos muito mais o futebol de estrelas extra campo, midiatizadas, produzidas pelo marketing do que propriamente de artistas da bola, que se produzem e se inventam dentro de campo, como um dia foi o Gaúcho. Assim como ele o nosso futebol parou, está em claro declínio, vive um crepúsculo de artistas, de craques, de gênios, de desenhos táticos. Deixou minguar seu potencial para produzir magia, sonhos, arte, antes ilimitado, por um ponhado a mais de tostões. Enfim, em nome tão somente do lucro, da sua transformação em simples mercadoria. Esquecendo-se, com isto, que o valor de troca que têm não deriva apenas da sua crescente mercantilização, mas, sobretudo, do valor simbólico agregado ao longo dos anos sobre seus nomes e daquilo que representam. Valor este que vem gradativamente se esboroando, perdendo seu simbolismo, seu valor de troca e, sobretudo, de mobilização social. A derrota do Santos para o Barcelona, na final do Mundial de Clubes, foi o exemplo mais claro e nítido disto que estou falando.
           Por tudo isto, tanto Ronaldinho quanto a Seleção não tem mais brilho próprio ou não conseguem mais produzir dentro de campo o material capaz de continuar fazendo reluzir suas trajetórias.  O brilho dos dois, hoje, é muito mais um brilho falso, fosco, mareado, produzido de fora, em especial pela mídia nacional. A única a tentar sustentar o insustentável mediante um discurso vazio que nem o mais fanático dos fãs-torcedores acredita mais: o de que o futebol brasileiro ainda é o melhor do mundo e o de que Ronaldinho ainda é um gênio do futebol. A mídia, em especial as Organizações Globo, é a única a sustentar este discurso, não tanto por acreditar nele, mas porque tem nele a salvaguarda de alguns de seus mais caros interesses econômicos e midiáticos. Tanto é que a Seleção Brasileira, hoje, é quase que um produto exclusivo da Globo, que a pretexto blinda o Sr. Teixeira de qualquer denúncia que envolva suas maracutaias e tramoias. Diante disto, tanto a Seleção Brasileira quanto Ronaldinho Gaúcho tem se transformado apenas em produtos da mídia, em mercadorias nas mãos de capitalistas gananciosos e corruptos. Têm deixado de empolgar e mobilizar torcidas e torcedores na mesma proporção que enchem seus bolsos de dinheiro.
         É por tudo isto que acredito que dificilmente veremos ou assistiremos mais a Ronaldinho e a Seleção arrancar aplausos de seus torcedores e dos rivais por conta do espetáculo dado em campo, por conta da obra de arte produzida nas telas das quatro linhas, como no episódio em que Ronaldinho foi aplaudido por uma torcida madridista embasbacada, dentro de sua casa, com a obra do mestre. Dificilmente assistiremos, pelo menos nós próximo anos, a nossa Seleção encantar o mundo com a mais perfeita partida de futebol já jogada por uma seleção em copas do mundo, como na final da Copa de 1970. Pelo andar da carruagem nos resta apenas contemplar, tanto em relação a Ronaldinho quanto a nossa Seleção, as obras primas que um dia produziram e que se encontram cada vez mais distantes de nós no tempo e de uma possível próxima produção. Cada dia mais apenas como obra de museu ou na memória daqueles que os assistiram jogar e presenciaram a produção de suas obras em campo: sem maquiagem, sem flashs, sem edições e marquetagens. Apenas com o talento do artista e o seu material de trabalho: o campo, o par de chuteiras, o uniforme, o seu corpo e a bola.

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