segunda-feira, 30 de julho de 2012

EXERCÍCIO DE LIBERDADE E PRÁTICAS DEMOCRÁTICAS

              Vivemos numa sociedade que se quer democrática e livre a partir dos princípios estabelecidos por um Estado Democrático de Direito. Neste sentido, ao meu ver, democracia e liberdade não podem ser tomados como conceitos universais e absolutos, mas tão somente como exercícios, como práticas relativas e limitadas por determinadas contingências e situações históricas dadas. Assim, a prática da democracia e o exercício da liberdade em nossa sociedade, nos dias atuais, está contingenciada por um Estado Democrático de Direito que estabelece como limites para o exercício da liberdade individual e das práticas democráticas justamente as práticas democráticas e o exercício da liberdade do outro ou dos outros, ou pelo menos é assim que deveria ser.
              É neste contexto que precisamos entender e situar alguns debates caros ao nosso tempo e a nossa sociedade como, por exemplo, as discussões em torno dos conceitos de liberdade de expressão, liberdade de imprensa e liberdade religiosa e de culto. Conceitos estes, muitas vezes, colocados sob o mesmo signo e sob a mesma rubrica, principalmente quando se quer usá-los para a defesa, justificação e legitimação de interesses corporativos, sobretudo, de cunho econômico, religioso e político.
            Viver em uma sociedade livre e democrática não significa dizer que temos o direito de tudo ddizer, expressar e defender, como alguns querem nos fazer crer. Não é por que temos, teoricamente, o direito a liberdade de expressão que podemos sair por aí nos pronunciando em defesa, por exemplo, de valores racistas, nazistas e/ou facistas. Não podemos, por exemplo, nos utilizar de nosso direito a liberdade religiosa e de culto para legitimar, justificar e defender práticas homofóbicas, machistas, preconceituosas, retrógradas ou até mesmo para incitar a violência contra quem quer que seja. Até por que liberdade religiosa e de culto não pode ser confundida com liberdade de expressão, com a liberdade de tudo poder dizer. Em especial quando este poder dizer busca legitimar condutas religiosas retrógradas, medievais que põem muito mais em xeque o exercício da liberdade e a prática da democracia do que os defendem e estimulam. Pois, pautados em princípios obscurantistas, autoritários e tidos como absolutos. Princípios estes que não aceitam a divergência e, por consequencia, a diferença e o diferente, a não ser como outro a que se nega e ao qual se tenta converter e reduzir ao mesmo.
          Uma sociedade livre e democrática pressupõe justamente a possibilidade da diferença e da existência do diferente, não como condição ontológica, como universal, mas como prática, como exercício. E esta, infelizmente, ainda vem sendo negada em nossa sociedade. E o que é mais grave, com muitos utilizando os conceitos de liberdade de expressão e liberdade religiosa e de culto como justificativa para tais posturas. Isto tem se verificado, sobremaneira, entre alguns segmentos evangélicos, como o encabeçado pelo pastor Silas Malafaia, que tem se mostrado mais conservador e reacionário do que foi a Igreja no medievo, principalmente no trato de alguns temas como a homofobia.
           Mas, estas posturas reacionárias, conservadoras não são apenas privilégio de algumas denominações evangélicas. O é também de boa parte dos segmentos midiáticos de nosso país, em especial da mídia tradicional (jornais, revistas, TVs) que não perdem a oportunidade para tentar confundir a "opinião pública" vendendo e alardeando uma suposta sinonímia entre liberdade de imprensa e liberdade de expressão. Esta é a postura editorial adotada, por exemplo, pelas Organizações Globo, pela Editora Abril, pelo Grupo Folha e pelo Estadão. Estes grupos buscam emplacar esta construção com a clara intenção de tudo poder dizer, com o objetivo de não se encontrarem limitados por nenhuma lei ou exercício de liberdade e prática democrática em contrário. Estes meios de comunicação não enxergam o outro como seu limite, mas o observam como obstáculo a ser transposto ou a ser eliminado para que sua e somente sua liberdade de imprensa prevaleça como única expressão possível. Uma liberdade de imprensa que procura repercutir a sua fala como expressão da opinião eral, onde só poderia haver voz, fala nestes meios. Seus receptores e telespectadores não teriam direito ao contraponto, são vistos apenas como ouvidos mudos a receber o já dito e estabelecido. Neste sentido, para estas mídias, nada do que é dito, falado fora dos seus meios e influência é válido, muito pelo contrário, é um ruido que deve ser calado para que a repetição do mesmo se propague e se prolongue no vácuo deixado pelo exercício das vozes plurais, que hoje ecoam, principalmente, da internet.
         São estas práticas, emanadas tanto dos meios religiosos quanto midiáticos, que o exercício de liberdade e as práticas democráticas de nosso tempo devem combater e confrontar com urgência e veemência, sob pena de voltarmos a ser tutelados por uma liberdade e por uma democracia de fachada, mesmo ditas e definidas como universais, mas que ao fim e ao cabo impedem o exercício daquela e a prática desta, à medida que buscam eliminar a diferença e extinguir o outro aravés de uma liberdade e uma democracia onde só seria possível e aceitável o mesmo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário