sábado, 7 de janeiro de 2012

Pensar a ciência, repensar a historiografia: uma discussão em torno dos conceitos de tempo e acontecimento.



Pensar a ciência, repensar a historiografia: uma discussão em torno dos conceitos de tempo e acontecimento.


Wagner Geminiano dos Santos*


Resumo: A presente comunicação tem por objetivo discutir as relações e ressonâncias que foram estabelecidas entre Historiografia e Ciência ao longo do século XX, especialmente após a enunciação da teoria da relatividade por Einstein e os desenvolvimentos da Física Quântica na primeira metade daquele século. Com isto, pretendemos mostrar como a prática historiográfica sofreu profundas modificações nas últimas décadas fazendo ressoar e repercutir algumas mudanças a muito ocorridas nas chamadas “ciências duras”, modificações estas que implicaram aos historiadores o redimensionamento no uso de algumas ferramentas fundamentais do seu metier a exemplo dos conceitos de tempo e de acontecimento, o que possibilitou, dentre outras coisas, uma modificação na própria concepção de história e de ciência daqueles que ocupam os lugares de sujeito deste campo do conhecimento, assim como nas suas práticas e procedimentos.

Palavras-chave: Ciência, Historiografia, Tempo, Acontecimento.


Uma experiência não é nem verdadeira nem falsa. Uma experiência é sempre uma ficção; é alguma coisa que nós próprios fabricamos, que não existe antes e que vai existir depois. Isto é a relação difícil com a verdade, a maneira pela qual esta se encontra engajada em uma experiência que não é ligada a ela e que, até certo ponto, a destrói.

Michel Foucault. Ditos & Escritos


Pensar a relação entre ciência e história pressupõe problematizar alguns conceitos, dentre eles os próprios conceitos de ciência e de história. Problematizar não num sentido puramente conceitual, abstrato, mas na perspectiva da relação que os dois mantiveram e mantêm até nossos dias para que, assim, possamos mapear os avanços, os recuos, as alianças, as conjurações existentes e produzidas por e entre ambos e aqueles que ocupam os lugares de sujeito nesta relação, os cientistas e historiadores.
Para tal exercício vou operar alguns cortes e recortes na tentativa de costurar com e a partir de Foucault, usando algumas de suas linhas e agulhas, argumentos e proposições que possam dar no que pensar, uma vez que “pensar não consola, nem torna feliz”, pois “pensar se arrasta languidamente em um teatro, pensar se joga fora do copo de dados. E, quando o acaso, o teatro e a perversão entram em ressonância, quando o acaso quer que haja entre os três uma tal ressonância, então o pensamento é um transe; e vale a pena pensar”[1]. E pensar mais uma vez a relação história/ciência é o que ora nos propomos fazer.
Desta feita faremos alguns recortes que, acredito, ajudarão a construir uma linha de raciocínio mais concisa e coerente. O primeiro recorte diz respeito às quais relações iremos privilegiar: as relações de ressonância entre a historiografia e as chamadas “ciências duras”. O segundo recorte remete as relações e ressonâncias possíveis de serem efetivadas entre ambas, ou melhor dizendo, aquelas possíveis de se estabelecer entre a historiografia e as ciências após as modificações e transformações que esta sofreu com e a partir da enunciação da teoria da relatividade e da emergência da física quântica na primeira metade do século passado, tendo em vista que estes parecem ter se colocado como os acontecimentos decisivos para uma redefinição das “ciências duras”, tanto no campo teórico quanto nas práticas científicas. Acontecimentos estes que acreditamos ter repercutido e ressoado, não no mesmo ritmo nem ao mesmo tempo, na prática historiográfica.
Os dois acontecimentos a que nos referimos anteriormente, a enunciação da teoria da relatividade e a emergência da física quântica na primeira metade do século XX, possibilitaram e provocaram o aparecimento e a produção de inúmeros rasgões no tecido espesso da história das ciências e mais decisivamente nas práticas científicas produzidas a partir de então. O tecido espesso e negro cedeu lugar, vagarosamente e em ritmos variados, a um rendilhado, desconcertante para muitos, de novas práticas, conceitos e relações que em grande medida destruíram e explodiram com a sacralização que o século XIX havia construído em torno da ciência e dos cientistas. E neste ínterim, a história e os historiadores não saíram ilesos em suas práticas e nos conceitos que agenciavam até então como mecanismos para a constituição de uma suposta ciência humana, senão exata e universal, mas que se julgava objetiva, neutra e portadora, ou melhor, reveladora de uma verdade histórica. Os efeitos também foram destrutivos para as práticas e os agenciamentos de uma certa historiografia, muito embora esta destruição só tenha se iniciado há bem pouco tempo se se comparado com o que ocorreu as chamadas “ciências duras”, mas veio solapar bruscamente com as certezas estabelecidas pela comunidade dos historiadores.
Portanto, será mais a estas novas práticas e conceitos, que emergiram a partir e após aqueles acontecimentos, que iremos nos remeter e menos aquilo contra e em relação ao qual elas se colocaram, muito embora uma coisa não exclua a outra.
Talvez, a principal discussão que foi estabelecida após aqueles acontecimentos e sua repercussão foi a que colocou em cheque o caráter sagrado, sacralizado e absoluto da ciência. Ou seja, tudo aquilo que fazia com que se associasse a ciência com o Bem, o Justo e com a Honestidade e por conseqüência se pensasse o cientista necessariamente como um virtuoso, pois dono de uma boa consciência a conduzí-lo na direção do que é justo e honesto, pois arauto da razão e da verdade[2]. Valores estes sempre tidos como universais e inerentes à ciência e ao cientista, uma vez que estes buscavam e pensavam se constituir a parte e fora de qualquer relação com a sociedade, a política, a cultura, a economia. O que lhes era supostamente garantido pelo exercício de um sacerdócio, a busca da verdade, e somente a verdade, assim como uma suposta universalidade dos valores que encampavam e dos quais julgavam ser os fieis defensores encastelados que estavam em seus laboratórios anti-sépticos, pois guiados única e exclusivamente pela Razão.
Estes pressupostos vão ser duramente questionados e explodidos à medida que a ciência passa a ser abordada cada vez mais em relação à sociedade. Ou seja, diferentemente do que propunha Bachelard, que julgava ser possível efetuar um processo epistemológico de desinfecção da ciência a partir dela mesma, processo esse que lhe retirasse toda impureza ou resquício de contaminação social do ambiente laboratorial onde se desenvolvia o trabalho científico, cada vez mais a ciência passa a ser lambuzada nas relações sociais. Com isto, a ciência deixa de ser vista e abordada apenas epistemologicamente, com os critérios que lhe eram próprios, como se ela fosse uma prática fechada em si mesma, para ser abordada e pensada com os critérios da sociedade, não com a pretensão de saber o que a ciência vai ser, mas como a ciência é usada socialmente, culturalmente, politicamente[3].
E neste sentido, a ciência é colocada em suspeição para mostrar que ela mantém relações arbitrárias, que é produto de convenções, que é vinculada a situações sociais, econômicas, políticas, comerciais, culturais; que é produto da impureza, da mistura, do hibridismo.
Neste sentido, uma assertiva de Foucault se faz valer:

É preciso abandonar essas sínteses fabricadas, esses agrupamentos que são aceitos antes de qualquer exame, essas ligações cuja validade é admitida de saída, rejeitar as formas e forças obscuras pelas quais, se tem o habito de ligar entre si os pensamentos dos homens e seus discursos; aceitar ter relação apenas, em primeira instância, com uma população de acontecimentos dispersos (FOUCAULT, 2005, p. 65).

Ou parafraseando Feyeraband, a ciência tem de partir de pressupostos que ela ponha em dúvida e não daquilo que lhe conduza a certeza, a verdade. Partir das condições históricas, sociais, políticas e culturais que interferem, ressoam na produção da ciência e não de uma suposta imunidade e autonomia em relação àquelas outras dimensões, uma vez que os problemas suscitados por ela não são apenas de ordem teórica, mas estão também intimamente vinculados a outras questões de ordem social, tecnológica, política etc. Enfim, a ciência e seus problemas pressupõem relações de poder não só dentro de uma comunidade científica, mas com toda uma sociedade na qual está inserida e com quem entra em relação. Pois, como afirma Isabelle Stengers, um paradigma não é apenas um modelo teórico as expensas da sociedade como dissera Thomas Kuhn, mas também um conjunto prático, uma vez que não são apenas regras, uma comunidade que lhe constituem, mas também instituições, instrumentos e uma sociedade que valida suas operações. Enfim, o paradigma é uma rede, um modelo prático e teórico em relação que só faz sentido para certo período e para certos tipos de ciência, sendo válido apenas numa perspectiva histórica de análise[4].
Pensar a ciência nestes termos pressupõe estabelecer como diz Stengers, uma abordagem, além de histórica, simétrica, ou seja, ao criticar outra ciência, criticar a si mesmo, voltar-se sobre si mesmo. É, portanto, abrir caminho para redefinir, ou melhor, inventar outros métodos, é admitir que não há o caminho, mas que há caminhos que se inventam, que se constroem a cada experimento, a cada experiência. É admitir que o método seja algo que se institui, que se realiza apenas no final de uma caminhada, para que depois possamos abandoná-lo e assim abrir e experimentar outros caminhos. Pressupõe pensar o mundo relacionalmente estando ai presente e inserida a ciência; implica pensar também que o conhecimento é produto da relação sujeito/objeto, e que, portanto, não há objetividade, mas que, tão somente, o conhecimento se faz entre e não em um ou outro pólo da relação, se faz no e do encontro, na e da articulação entre sujeito e objeto. Enfim, pressupõe pensar em termos de incertezas, arranjos, probabilidades, possibilidades, variações, mudanças, invenções, retornos, deslocamentos, diferenças, desde que tomando a criatividade como princípio cosmológico. Ou seja, pressupõe pensar a ciência como o lugar da própria criação, da própria inventividade.
Portanto, estas discussões põem em evidencia que a ciência não é apenas produto de uma individualidade criadora – seja ela um homem, uma comunidade, uma classe – mas de uma rede de relações. O que nos remete a outra assertiva de Foucault:

O problema da singularidade ou da relação entre o nome e a rede é muito antigo, mas antigamente havia tipos de canais, de vias balizadas que separavam as obras literárias das obras físicas ou matemáticas, das obras históricas; cada uma evoluía no seu nível próprio e, de qualquer forma, na parte do território que lhe era designada, apesar de tudo um conjunto de recobrimentos, de empréstimos, de semelhanças. Constata-se atualmente, que toda essa divisão, essa compartimentalização está começando a se apagar ou a se reconstruir de uma forma totalmente diferente. Assim, as relações entre a lingüística e as obras literárias, entre a música e a matemática, entre o discurso dos historiadores e o dos economistas não são mais simplesmente da ordem do empréstimo, da imitação ou da analogia involuntária, nem mesmo do isomorfismo estrutural; essas obras, esses procedimentos se formam uns em relação aos outros, existem uns para os outros (FOUCAULT, 2005, p. 71).

É nestas condições de possibilidades que nos é possível, contemporaneamente, estabelecer ressonâncias entre a historiografia e as ciências ditas duras, uma vez que a maioria das mudanças expostas anteriormente foram operadas, primeiro, nestas ciências, em especial na física, na química, na biologia etc.[5]. E, desta forma, estes acontecimentos ainda repercutem atualmente nas ciências humanas, em especial na historiografia, que, mediante estas novas relações que são possíveis estabelecer com outros campos do saber, vem alargando suas possibilidades de ação, uma vez que não procuram mais se estabelecer dentro de fronteiras tão rígidas. Estas novas relações têm permitido, dentre outras coisas, ao historiador, rever o próprio estatuto de ciência que reivindicava para a sua disciplina, à medida que tinha como modelo a física clássica. Acontecimento este que, de certa forma, torna obsoleto e inócuo o debate travado por parte dos historiadores contemporâneos em torno desta questão, uma vez que os próprios físicos a muito não operam mais com o conceito de ciência da física clássica, conceito este no qual a maioria dos historiadores tentava e ainda tenta atribuir à prática historiográfica.
Além do mais a historiografia como é praticada atualmente parece se abrir não tão somente a um limiar de epstemologização ou de cientificidade, mas também em direção a outros limiares como, por exemplo, de estetização e de etização. Só que parece que caminha em direção a cada um deles em ritmos diferentes[6].
Assim, para este exercício que me proponho vou eleger apenas duas relações de ressonância possíveis de serem estabelecidas entre as chamadas “ciências duras” e a historiografia e que as costurarei com Foucault. A primeira diz respeito ao conceito de tempo e seus derivados assim como suas implicações no fazer historiográfico; a segunda remete ao conceito de acontecimento e suas implicações no fazer do historiador.
Desde sua emergência como disciplina a história se habituou a pensar o tempo como um contínuo que tinha na expressão gráfica de uma linha reta a sua representação máxima. No entanto, é justamente do seio daquelas ciências que lhes serviam de modelo – a física e a química, por exemplo – que vem o principal ataque a esta idéia. É com a enunciação da teoria da relatividade e depois com a emergência da física quântica que são desferidos os ataques mais violentos e brutais a este operador conceitual que o historiador manejava com a mesma firmeza e precisão que o deus nórdico Thor maneja seu martelo. Para desespero dos historiadores tradicionais, os físicos ai instalaram a descontinuidade, a probabilidade, o acaso. O martelo dos historiadores foi despedaçado por raios e trovões em noite súbita e tempestuosa.
O conceito de tempo tal como era pensado pelos historiadores foi despedaçado, multiplicado, relativizado. O historiador não pode mais, portanto, operar dentro das certezas e limites de um tempo único. Neste momento é a descontinuidade que deve se tornar um dos elementos fundamentais da análise histórica além de ser colocada como um de seus principais operadores, uma vez que a descontinuidade “não é simplesmente um conceito presente no discurso do historiador, mas aquilo que, em segredo, ele supõe; donde poderia ele falar, de fato, senão a partir dessa ruptura que lhe oferece como objeto a história – e sua própria história?” (FOUCAULT, 2005, p. 85). Enfim, a descontinuidade passa a ser, ao mesmo tempo, instrumento e objeto de pesquisa. É este tipo de exercício que deve estar na base da historiografia contemporânea como parece nos apontar Michel Foucault:

A história e, de uma maneira geral, as disciplinas históricas deixaram de ser a reconstituição dos encadeamentos para além das sucessões aparentes; elas praticam desde então a sistemática introdução do descontínuo. A grande mutação que as caracteriza em nossa época... é a transformação do descontínuo: sua passagem de obstáculo a prática; essa interiorização no discurso do historiador que ele não fosse mais a fatalidade exterior que é preciso reduzir, mas o conceito operatório que se utiliza (FOUCAULT, 2005, p. 85).

Desta forma o trabalho do historiador deve se transformar num “certo uso regrado da descontinuidade para a análise das séries históricas”. Isto implica uma nova relação com o passado, enfim, e de uma forma geral, como o conceito de tempo. Uma vez que o tempo não é mais o contínuo passado-presente-futuro, mas a coexistência, a sobreposição de todos esses tempos, de múltiplos tempos que se agenciam e se combinam em um agora que é presença no mundo. Desta forma, o passado não é mais um dado a espera de ser acessado e desvelado pelo historiador, ele não faz mais parte de um antes, ao contrário, o passado vive no presente, ele ai produz efeitos. Ele não é mais um dado a serviço do historiador, mas aquilo com o que o presente mantém relações, ele só é nesta relação que se estabelece por intermédio do historiador. Pensado desta forma o passado é reorganizado à medida que o reescrevemos em função desta relação com o presente e deste novo conceito de tempo, o tempo como instante, memória e projeto.
Escrever a história levando-se em consideração estas novas dimensões conceituais e operatórias implica dizer que a história não é mais o que o historiador registra, mas aquilo que ele forja, define e da qual participa. Assim, a realidade nasce das descrições que fazemos, dos relatos que contamos e construímos, ela é discursiva, é contada conforme nossos interesses ou como nos convém contar o real à medida que escolhemos aquilo que iremos agregar, aquilo que retorna, operando uma seleção para que o passado possa ser reatualizado no presente. No entanto, isto tem o seu revés, pois toda seleção, toda invenção de algo novo significa a supressão de alguma coisa, implica um esquecimento. Estas duas dimensões, a lembrança e o esquecimento, é o que permite que os jorros de passado que retornam venham entumecidos de novas possibilidades, fazendo com que o presente se fertilize de novos devires.
Assim, cabe ao historiador:

Saber reconhecer os acontecimentos da história, seus abalos, suas surpresas, as vacilantes vitórias, as derrotas mal dirigidas que dão conta dos começos, dos atavismos e das hereditariedades; assim como é necessário saber diagnosticar as doenças do corpo, os estados de fraqueza e energia, seus colapsos e resistências. A história, com suas intensidades, seus desfalecimentos, seus furores secretos, suas grandes agitações febris, assim como suas síncopes, é o próprio corpo do devir (FOUCAULT, 2005, p. 261).

Agenciar uma escrita da história nestes moldes pressupõe estabelecer uma segunda ressonância com as “ciências duras” para que assim seja possível operar um redimensionamento de outro conceito fundamental com o qual o historiador trabalhava, o de acontecimento, golpe fundamental e grandioso da espada de Odin, que marcava heroicamente a linha reta do contínuo temporal. Mas, mais uma vez as “ciências duras” vieram retirar esta aura divina e gloriosa do acontecimento, com um golpe mortal, humano que fez com que este conceito retornasse a singularidade, banalidade e irrupção que lhe é própria. Pensar o acontecimento em um novo registro implica pensá-lo não como o grande lance da batalha, mas, tão somente, como uma pedra lançada em meio à batalha que agita onde acontece e vai repercutindo, ressoando até perder a intensidade. Cabe ao historiador fazer surgir este acontecimento no que ele tem de único e agudo.
Portanto, é preciso entender o acontecimento como dar a pensar Foucault:

Acontecimento: é preciso entendê-lo não como uma decisão, um tratado, um reino ou uma batalha, mas como uma relação de forças que se inverte, um poder confiscado, um vocabulário retomado e voltado contra seus utilizadores, uma dominação que se enfraquece, se amplia e se envenena e uma outra que fez sua entrada, mascarada. As forças que estão em jogo na história não obedecem nem a uma destinação nem a uma mecânica, mas ao acaso da luta. Elas não se manifestam como as formas sucessivas de uma intenção primordial; tampouco têm a aparência de um resultado. Elas surgem no aleatório singular do acontecimento (FOUCAULT, 2005, p. 272-73).

Pensar o acontecimento desta forma remete o historiador a olhar a sociedade como um grande lago onde são lançadas constantemente inúmeras pedras e o impacto das mesmas, destes acontecimentos firmará uma teia na sua superfície, um reticulado de vários círculos, que se conectam, repercute, ressoam e se evanescem. E o olhar do historiador deve se dirigir exatamente à pedra lançada ou as pedras lançadas de dentro do próprio lago, ou seja, a emergência das mesmas por causa da agitação das águas. É assim que o historiador deve pensar a história, a partir da agitação das forças, procurando mapear as dispersões constitutivas das diversas emergências, uma vez que o poder é o que se passa entre duas forças, é o estabelecimento de uma ressonância, o choque de duas ondas, e o saber, por seu turno, é aquilo que faz as conexões, que ata o nó entre duas forças, estabelecendo um sentido e, portanto, se conectando, se articulando ao poder. Cabe, portanto, ao historiador restabelecer estas conexões, estas relações, retorná-la a dispersão que lhe é própria. Enfim, como diz Foucault:

É preciso destruir tudo aquilo que o jogo apaziguante dos reconhecimentos permitia. Saber, mesmo na ordem histórica, não significa “reencontrar” e, sobretudo não significa “nos reencontrarmos”. A história será “efetiva” á medida que reintroduzir o descontínuo em nosso próprio ser. Ela dividirá debaixo de si nada que tivesse a estabilidade asseguradora da vida ou da natureza; não se deixará levar por nenhuma obstinação muda na direção de um fim milenar. Ela irá esvaziar aquilo sobre o que se costuma fazê-la repousar e se obstinará contra sua pretensa continuidade. Porque o saber não é feito para compreender; ele é feito para cortar (FOUCAULT, 2005, p. 272).



* Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Professor do Departamento de História da Faculdade de Formação de Professores da Mata Sul – FAMASUL; Professor Efetivo das redes municipal de ensino dos munícípios de São José da Coroa Garnde – PE e Água Preta – PE.
[1] Cf.: FOUCAULT, Michel. Arqueologia das ciências e História dos sistemas de pensamento. In: Ditos & Escritos, Vol. II. Rio de janeiro. Forense-Universitária. 2005.
[2] Cf.: FEYERABEND, Paul. Diálogo sobre el Método. Madrid. Cátedra. 2002. 
[3] Cf.: STENGERS, Isabelle. A Invenção das Ciências Modernas. São Paulo. Ed. 34. 2002.
[4] Cf.: STENGERS. Op. Cit. 2002.
[5] Cf.: STENGERS. Op Cit. 2002 e PRIGOGINE, Ilya. O Fim das Certezas. São Paulo. UNESP. 1996.
[6] Sobre limiar Cf.: DELEUZE, Gilles. Foucault. Editora Brasiliense. São Paulo. 2005. Ver também FOUCAULT. Op. Cit. 2005.


REFERÊNCIAS


BACHELARD, Gaston. Formação do Espírito Científico. Rio de Janeiro. Contraponto. 2003.
DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo. Editora Brasiliense. 2005.
FEYERABEND, Paul. Dialogo sobre el Método. Madrid. Cátedra. 2002.
FOUCAULT, Michel. Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento. Ditos & Escritos. Vol. II. Rio de janeiro. Forense-Universitária. 2005.
KUHN, Thomas. Estrutura das relações Científicas. São Paulo. Perspectiva. 2002.
PRIGOGINE, Ilya. O Fim das Certezas. São Paulo. UNESP. 1996.
SERRES, Michel. Hermes – Uma filosofia das ciências. Rio de Janeiro. Graal. 1990.
STENGERS, Isabelle. A Invenção das Ciências Modernas. São Paulo. Ed. 34. 2002.


*              Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Professor do Departamento de História da Faculdade de Formação de Professores da Mata Sul – FAMASUL; Professor Efetivo das redes municipal de ensino dos munícípios de São José da Coroa Garnde – PE e Água Preta – PE.
[1] Cf.: FOUCAULT, Michel. Arqueologia das ciências e História dos sistemas de pensamento. In: Ditos & Escritos, Vol. II. Rio de janeiro. Forense-Universitária. 2005.
[2] Cf.: FEYERABEND, Paul. Diálogo sobre el Método. Madrid. Cátedra. 2002. 
[3] Cf.: STENGERS, Isabelle. A Invenção das Ciências Modernas. São Paulo. Ed. 34. 2002.
[4] Cf.: STENGERS. Op. Cit. 2002.
[5] Cf.: STENGERS. Op Cit. 2002 e PRIGOGINE, Ilya. O Fim das Certezas. São Paulo. UNESP. 1996.
[6] Sobre limiar Cf.: DELEUZE, Gilles. Foucault. Editora Brasiliense. São Paulo. 2005. Ver também FOUCAULT. Op. Cit. 2005.

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